O grande financiamento do poder público destinado à pecuária (R$ 34 bilhões nos últimos 16 meses) e a falta de crédito para intensificação e recuperação de pastos. Essas duas questões, aliadas às contradições de um mercado global que estimula a demanda por carnes e ao mesmo tempo preocupa-se com mudanças climáticas causadas pelo desmatamento foram os principais motivos para fazer da Amazônia Legal o “Reino do Boi Pirata”. É esse contexto que mostra o estudo A hora da conta – Pecuária, Amazônia e Conjuntura, recém-lançado pela organização Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
Aprofundando a análise já iniciada no estudo O Reino do Gado, divulgado em janeiro de 2008 pela mesma organização, a pesquisa apresenta riscos e oportunidades para influenciar a dinâmica da atividade, seja na Amazônia, seja, mais em geral, no Brasil. Os autores do estudo, Roberto Smeraldi e Peter May, enfatizam que o processo de expansão da pecuária na Amazônia Legal avaliada no O Reino do Gado continuou no ano 2008, apesar de um pequeno recuo devido ao abate de matrizes que ocorreu no auge da demanda para carne no mercado internacional.
As pesquisas para o trabalho foram realizadas com a colaboração da Scot Consultoria Ltda., que atua junto ao setor de carne e derivados no Brasil, sendo responsável por um dos mais completos bancos de dados sobre o setor no país. Além da contribuição da Scot, o estudo contou com uma revisão técnica por parte de Judson Valentim, chefe Geral da Embrapa-Acre.
De acordo com o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, 29,25% das terras brasileiras, 249,03 milhões de hectares, eram ocupadas pela atividade agrossilvipastoril. Desses, cerca de 172,33 milhões, ou 70% do total, eram pastagens. “Contrariamente à tendência nacional, que registra uma redução absoluta de 3,83% na área de pastagem em relação a 1985, na Amazônia Legal as pastagens estão em expansão. De 1985 para 2006, o aumento foi de 44,18%, o que evidencia quanto os investimentos em pecuária migraram para a região”, diz a pesquisa. Quase 15% da área da Amazônia Legal - 74,87 milhões de hectares - já foi incorporada à atividade agropecuária. Desses, 82,28% (61,60 milhões de hectares) são pastagens.
O trabalho mostra que o fato de a Amazônia ter se consolidado como grande produtora de carne foi protagonizado pelo grande aumento da capacidade industrial instalada na região, processo que segue em evolução e é influenciado grandes grupos frigoríficos brasileiros. Esta consolidação, de acordo com a pesquisa, é financiada quase completamente com recursos públicos e subsidiados, tanto no segmento produtivo quanto no industrial.
Segundo ela, só no ano passado, empresas que atuam no setor pecuário na Amazônia Legal conseguiram um financiamento histórico de R$6 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), verba equivalente a todo o resto dos investimentos diretos na área industrial do banco, desde o setor automotivo até as usinas de etanol.
Do total de financiamento ao setor pecuário, oriundo das fontes monitoradas pelo Banco Central, menos de 6% é destinado à implantação e reforma da pastagem, enquanto 75% visam aquisição e custeio de animais. “Apesar de planos governamentais e de um discurso amplamente difundido entre tomadores de decisão, continua inexistente o apoio para atividades de recuperação de terras degradadas ou abandonadas”, diz a pesquisa.
Frigoríficos e desmatamentoOs grandes grupos frigoríficos, que não atuavam na região até 2005, possuem hoje 61% das indústrias com Serviço de Inspeção Federal (SIF) da região. “Eles atuam com participação semelhante tanto nas áreas mais consolidadas quanto naquelas de fronteira aberta: por exemplo, possuem 62% das unidades industriais existentes nos municípios classificados pelo governo como campeões do desmatamento”, revela o estudo.
ImpunidadeA hora da conta – Pecuária, Amazônia e Conjuntura mostra ainda que um dos principais fatores para a viabilidade de produção pecuária nas principais regiões produtoras da Amazônia é a impunidade quanto à ocupação da terra pública e/ou as normas ambientais.
Para conter os impactos ambientais gerados pela pecuária, o estudo afirma que são necessários investimentos direcionados e consistentes para a recuperação e a reforma de pastagens, a intensificação do manejo, sistemas tecnológicos avançados, integrados e mais intensivos em capital humano, assim como para o amortecimento progressivo dos expressivos passivos legais. “O financiamento para tais atividades pode ser mobilizado no lugar dos atuais subsídios genéricos para a expansão da pecuária”, conta.
PlanoA pesquisa também propõe a elaboração de um plano para a cadeia da pecuária amazônica e faz recomendações concretas a ele. “A conjuntura econômica, com seus impactos na reestruturação e concentração do setor de beneficiamento industrial da carne, assim como a demanda por socorro a diferentes elos da cadeia, oferece uma grande oportunidade para negociar e definir imediatamente um plano de pelo menos cinco anos para reorientar, consolidar, tornar competitiva e sustentável a cadeia da pecuária na Amazônia”, diz.
(Por Thais Iervolino,
Amazonia.org, 22/04/2009)