Ibama deverá suspender por 90 dias audiências que teriam início nesta quinta (23/04), no município de HumaitáAtendendo a pedido do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), a Justiça Federal determinou, em caráter liminar, o adiamento das audiências públicas que seriam realizadas, a partir de hoje, 22 de abril, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o prosseguimento do licenciamento ambiental da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). De acordo com a decisão do juiz federal Ricardo Sales, o início das audiências públicas deve ser suspenso por 90 dias, para que as instituições governamentais e não-governamentais interessadas, assim como a população a ser atingida, possam ter acesso adequado ao estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima).
Para tanto, o Ibama deverá divulgar o documento por meio de jornais de circulação nacional, estadual e local, internet e 'em campo', na área de influência direta do empreendimento, permitindo a participação informada da população – inclusive indígena – nas audiências públicas. O juiz determinou ainda que a Fundação Nacional do Índio (Funai) passe a fazer parte da ação judicial e seja convocada a participar das audiências públicas, para exercer a atribuição legal de proteger as populações indígenas que serão atingidas, direta ou indiretamente, com a reconstrução da rodovia.
Falta de publicidadeO pedido de adiamento foi feito pelo MPF/AM por não ter havido a devida publicidade do EIA/Rima relativo às obras de recuperação da BR-319, por parte do Ibama. O estudo foi entregue no início do mês de março deste ano e não está disponibilizado na página da internet do instituto, conforme consulta feita pelo MPF/AM em 14 de abril. Tanto o MPF/AM e as organizações da sociedade civil interessadas em receber o documento, para conhecimento e comentários, quanto as populações diretamente influenciadas pelas obras – inclusive indígenas – não tiveram acesso ao EIA/Rima. Ainda assim, o Ibama marcou para hoje (23) o início das audiências, devendo a primeira ser realizada no município de Humaitá (a 580 quilômetros ao sul de Manaus).
A publicidade do EIA/Rima está garantida pela Constituição Federal e por resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Para a procuradora da República Carolina Miranda de Oliveira, neste caso específico, a publicidade do documento deverá se dar 'em campo', na área de influência direta das obras, antes da realização das audiências públicas, permitindo a participação informada da população a ser atingida – inclusive indígena – e não apenas por meios de divulgação formais – jornais, diários oficiais, internet – aos quais esta população não tem acesso.
“Absurdo seria o argumento de que não se faz necessário levar ao conhecimento da população atingida os estudos ambientais, diante da sua falta de escolaridade para compreendê-los, primeiramente porque nos dias atuais mesmo as pessoas com baixa ou nenhuma escolaridade têm direito de acesso à informação e não raras vezes encontramos dentro de tais comunidades pessoas com conhecimento e experiência de vida que os tornam aptos a avaliar um estudo acerca da região em que habitam; em segundo lugar, porque as comunidades – inclusive indígenas – são muitas vezes organizadas e possuem lideranças ligadas a associações cuja finalidade é a proteção de seus direitos individuais e coletivos, sendo comum também recorrerem a organizações da sociedade civil e ao Ministério Público, em busca da preservação de seus direitos”, afirmou a procuradora.
A convocação das audiências foi feita pelo Ibama no dia 7 deste mês, por meio do Diário Oficial da União, conferindo um prazo de 15 dias – com a ocorrência de dois feriados nacionais – para que as comunidades interessadas tomasse ciência da realização das audiências e prepararem a participação.
Nenhuma providência específica foi adotada para garantir que as comunidades situadas em locais distantes daqueles em que o Rima está disponível – Brasília ou superintendências estaduais do Ibama – fossem comunicadas. A audiência pública é a última grande etapa do procedimento do estudo prévio de impacto ambiental e sua ata e seus anexos servirão de base, juntamente com o Rima, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não da obra.
Licenciamento complexoO licenciamento das obras de recuperação da BR-319 é um processo complexo, já que a rodovia ligará o eixo do desmatamento ao coração da Amazônia ainda preservado, sendo o avanço desta fronteira agropecuária já é sentido no sul do Amazonas. Pelo menos cinco estradas estaduais estão projetadas ligando o eixo da BR-319 às sedes dos municípios de Borba, Novo Aripuanã, Manicoré e Tapauá, e outra dando acesso ao rio Madeira. Estas estradas cortarão terras indígenas e serão fator de potencialização do desmatamento.
De acordo com estudos realizados com base em dados de desmatamento, fornecidos pelo pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), Phillip Fearnside, há uma perda prevista de três a cinco milhões de hectares da floresta amazônica em decorrência da reconstrução da BR-319.
Considerando que os aspectos relacionados aos impactos ambientais das obras da BR-319 precisam ser amplamente discutidos, a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF recomendou ao Ibama, no dia 16 deste mês, a suspensão das audiências públicas por 90 dias e a adoção de medidas que garantam a devida publicidade do EIA/Rima, em momento anterior à realização das audiências. Ao final do prazo de quatro dias concedido pelo MPF, o Ibama respondeu à recomendação informando que “não vislumbra razões para a alteração das datas marcadas com vistas à realização das audiências públicas”.
O número do processo para consulta na Justiça Federal é 2009.32.00.003197-4.
(Ascom MPF/AM /
Procuradoria Geral da República, 22/04/2009)