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2009-04-23
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) encaminhou nesta quarta (22/04) à Procuradoria Geral da República um pedido de intervenção federal no Pará para garantir o cumprimento de sentenças judiciais de reintegração de posse. Ao todo, 111 decisões da Justiça aguardam na fila, mas o governo paraense alega a falta de "instrumentos" para executar os mandados do Judiciário. O descumprimento das sentenças é uma das causas que pode levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a decretar intervenção federal em um Estado.

Para agravar ainda mais a situação política da governadora Ana Júlia Carepa (PT), a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), anunciou ontem já ter pronta uma ação civil pública para pedir o impeachment da petista na Assembleia Legislativa do Pará. "Esperamos que a governadora tenha um minuto de bom senso e faça a lei ser cumprida até a próxima semana. Se isso não acontecer, já estão sendo colhidas assinaturas para uma ação popular, porque queremos proteger os produtores rurais da região", disse a senadora.

O assunto dominou os debates de ontem no Senado. Da tribuna da Casa, Kátia Abreu afirmou que o Pará viveu cenas de "bangue-bangue" no último sábado, quando oito militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e um segurança privado ficaram feridos durante um violento confronto em uma fazenda do banqueiro Daniel Dantas, em Xinguara (PA). "A governadora se comporta como se fosse absolutista, como se tudo ela pudesse. A Justiça decide, o Executivo cumpre e o Legislativo faz as leis", acusou Kátia. "Não existe nada nem ninguém, nenhuma bandeira social, que possa ser maior do que as leis de um país".

Segundo a senadora, existem "mais de mil invasões" de terras no Estado e 350 pedidos de reintegração de posse. "Silencia-se e, quando se silencia, ela (Ana Júlia) despreza a Justiça. Ela despreza quem produz alimentos em detrimento de quem produz violência". Em defesa da governadora, o senador José Nery (PSol-PA) afirmou que Ana Júlia assumiu o Estado com 175 reintegrações de posse na fila. E culpo o Ministério da Justiça pela demora no processo. "O governo do Pará solicitou, desde o dia 2 de abril, que a Força Nacional permanecesse no Estado, mas o Ministério da Justiça, infelizmente, não respondeu afirmativamente", disse. Nery sugeriu a criação de uma comissão do Senado para acompanhar o caso em Xinguara.

A governadora Ana Júlia está isolada: tanto no âmbito federal quanto na esfera local ninguém duvida que as sentenças de reintegração não têm sido executadas "deliberadamente" pela Secretaria de Segurança Pública do Pará por "motivos ideológicos". A governadora integra uma tendência de esquerda do PT (a DS, Democracia Socialista) que tem influência decisiva na gestão de seu governo.

Principal aliado político de Ana Júlia, graças a uma aliança abençoada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2006, o deputado Jader Barbalho (PMDB) tem dito que, se o STF decidir favoravelmente, apoiará a intervenção federal para o cumprimento das sentenças judiciais. O mesmo não deve ocorrer em relação ao pedido de impeachment de Ana Júlia. Barbalho avalia que isso serviria apenas aos interesses dos tucanos, seus principais adversários na política do Pará.

A intervenção decretada pelo STF seria apenas para o cumprimento das ordens judiciais, provavelmente por tropas federais - a governadora continuaria no cargo, ao contrário do que ocorreria se viesse a sofrer o impeachment, quando assumiria o cargo o vice-governador Odair Corrêa (PDT). As relações entre Jader e o PT são tensas. O pemedebista não quer dar entrevistas sobre o assunto, mas o Valor apurou que, politicamente, os dois grupos não se entendem mais com relação a uma composição eleitoral para 2010. Jáder já analisa a possibilidade de o PMDB ter uma candidatura própria - em primeiro mandato, Ana Júlia tem direito a disputar a reeleição.

Administrativamente, o deputado e seu grupo político se consideram incapazes de fazer qualquer mediação no caso da invasão da fazenda do banqueiro Daniel Dantas, por exemplo. Dizem que as decisões do governo estadual já não seriam unicamente de Ana Júlia, mas de um colegiado da corrente petista DS que cerca a governadora. A explicação da Secretaria de Segurança do Pará, segundo a qual não haveria "instrumentos" para cumprir as sentenças, é vista como "conversa fiada" pelo principal partido da base de sustentação política de Ana Júlia.

Parceiro de governo, o PMDB diz que é "uma piada" a polícia estadual dizer que não tem "instrumentos" para fazer cumprir as decisões judiciais. O risco, avaliam, é que os demais fazendeiros da região sintam-se estimulados a também contratar empresas de segurança, o que agravaria os confrontos entre sem-terra e fazendeiros e deixaria toda a região sul do Pará fora do controle do Estado.

De acordo com a versão pemedebista, o que ocorre no Pará já não pode ser caracterizado como ações do MST em defesa da reforma agrária. Na realidade, grupos - "bandos" é a expressão usada - acantonados no Maranhão periodicamente se deslocam até o Pará, invadem fazendas e depois negociam uma de duas soluções: o pagamento de resgate pela desocupação, em geral de R$ 100 mil, R$ 150 mil, até R$ 200 mil, ou o arrendamento das terras invadidas a pequenos comerciantes da região. Já os assentamentos oficiais estariam todos abandonados - estima-se haver 14 milhões de hectares desapropriados para a reforma agrária no Estado. O PMDB paraense também vê cumplicidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com os invasores: tão logo uma terra é ocupada, o órgão começaria a distribuição de cestas básicas e lonas aos sem-terra.

(Por Raymundo Costa e Mauro Zanatta, Valor Econômico, 23/04/2009)

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