Quatro dias depois do tiroteio que terminou em oito feridos – sete sem-terra e um segurança –, permanece o clima de tensão na Fazenda Fazenda Santa Bárbara, entre Xinguara e Redenção, no Sul do Pará. Cerca de 120 famílias ainda permanecem acampadas próximas a porteira da fazenda, na margem da rodovia PA-150, enquanto seguranças armados rondam as cercanias da sede da fazenda, onde militantes ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tentaram entrar à força no sábado à tarde – o que resultou no tiroteio registrado por cinegrafistas de emissoras de TV do Pará que foram à região cobrir a invasão. O sem-terra Valdeci Castro, ferido com quatro tiros – um deles alojado próximo ao coração – foi transferido de Marabá para Belém e ontem mesmo passaria por uma cirurgia. Seu estado de saúde é considerado grave.
– Desde 2007 estamos chamando a atenção do governo federal para o agravamento da violência no Sul do Pará por causa da omissão da governador Ana Júlia Carepa – afirma o diretor da Santa Bárbara, Rodrigo Otávio de Paula. Ele diz que há riscos de novos confrontos e acusa os militantes do MST de semear os funcionários da fazenda que se vêm obrigados a passar perto do acampamento. Em nota distribuída nesta terça (21/04), o MST nega que tenha iniciado o confronto ou que tenha usado as equipes de reportagem como escudo, o que foi desmentido pelas imagens e pelo depoimento de jornalistas que lá estiveram.
Como sempre acontece em situações semelhantes, os líderes do movimento perderam o controle da invasão e por pouco o episódio não terminou em várias mortes. Sem-terra e os seguranças contratados pela Santa Bárbara estão armados. A Polícia Civil abriu inquérito, mas ainda não tem uma conclusão sobre o episódio, a não ser as imagens, que depõe contra o MST.
O episódio de sábado era um conflito anunciado e, ao que tudo indica, deixou de ser uma simples questão fundiária, para se transformar numa queda de braço político envolvendo, mais uma vez, o banqueiro Daniel Dantas, dono do Grupo Opportunity, como o personagem central de uma trama que reúne todas as características dos episódios que nunca termina bem. Dantas é um dos sócios da Agropecuária Santa Bárbara, a empresa rural que controla cerca de 500 mil hectares de terra no Sul do Pará e lá pretende desenvolver o maior projeto de produção de carne do planeta – hoje o grupo tem mais de 500 mil cabeças de gado de raça, a maioria formada por matrizes selecionadas.
– Tudo se resume a uma perseguição política contra Daniel Dantas comandada pela governadora – acusa o diretor da Santa Bábara. Ele diz que Carepa e o líder do MST, João Pedro Stédile, incitaram a invasão no último dia 16 ao participarem, em Eldorado dos Carajás, do ato em memória dos 19 sem-terra mortos no conflito com a Polícia Militar do Pará, em 1996. – Eles disseram que a fazenda era do Dantas e conclamaram a invasão – afirma Rodrigo de Paula.
O MST está de olho nas terras da Santa Bárbara desde que o Fundo Opportunity começou a comprar propriedades e gado na região para organizar o maior empreendimento rural do país. Mas a cobiça aumentou mesmo depois que o banqueiro foi preso duas vezes na Operação Satiagraha e acabou sendo acusado pela Polícia Federal de usar a fazenda para lavar dinheiro supostamente ilegal movimentado no exterior. Mas Dantas não é o único alvo: existem outras de 300 fazendas invadidas no Pará e 111 mandados de reintegração de posse determinados pela Justiça, mas não cumpridos pela polícia estadual.
A suposta desobediência da governadora às ordens judiciais levou a Santa Bárbara e as entidades de classe a ingressar no Tribunal de Justiça do Pará com um pedido de intervenção federal, que deve ser julgado ainda esta semana pelo pleno da corte. Mais uma vez entrou em cena outro personagem da Satiagraha, o ministro Gilmar Mendes, que já telefonou à Carepa pedindo que ela determine à polícia o cumprimendo das decisões judiciais para evitar o agravamento do clima beligerante numa região marcada pela violência rural. Ontem a governadora disse que pode aceitar a oferta de forças federais à região, apresentada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, mas não comentou o julgamento do pedido de intervenção.
(Por Vasconcelo Quadros,
JB Online, 21/04/2009)