A primeira cúpula agrícola do G-8, realizado na Itália, deixou vários alertas para o Brasil sobre pressões que virão nas negociações para prevenir crises alimentares, vistas como crescente ameaça à segurança internacional. O primeiro alvo agora poderá ser a expansão das exportações brasileiras de carne bovina. Embora o tema não tenha aparecido no comunicado final do encontro, países do G-8 insistem numa estratégia que levaria a uma redução do consumo de carne em favor de produção local e uma dieta "mais equilibrada"
Um dos argumentos utilizados pelo países ricos é que são necessários oito quilos de cereais para a produção de um quilo de bife bovino, e cinco de cereais para um quilo de carne suína, o que reduziria a quantidade de grãos disponíveis para alimentar populações. Outros vão desde a queixa de que cada caloria consumida necessita de até sete apenas para transportar o alimento, até reclamações contra as emissões de metano pelos bovinos.
"Quanto mais as populações dos países emergentes melhorarem de renda, mais haverá consumo de carne. Eu não vejo nada contra, mas há quem levante questões", afirmou o presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura, Kanayo Nwanze. Para o ministro de Agricultura da Argentina, Carlos Cheppi, o que está por trás disso, porém, é o interesse de certos países em importar mais cereais para engordar suas próprias vacas com subsídios e embolsar o valor agregado.
O segundo alvo, principalmente de países europeus, volta a ser a produção de etanol, colocada em confronto com produção de alimentos. O ministro de Agricultura do Reino Unido, Hilary Benn, disse ao Valor que persiste dentro da Europa dúvidas sobre a redução de emissões de gases que causam o efeito-estufa com o uso do etanol, e sobre a mudança no uso da terra.
"O Brasil precisará dar garantias muito claras sobre o uso indireto da terra na produção do etanol", avisou. A Comissão Europeia apresentará um relatório em 2010 analisando se o problema é importante e como lidar com ele. Mas deputados europeus insistem que a produção de etanol no Nordeste brasileiro, por exemplo, torna escassa a terra para a produção de alimentos e leva agricultores a desmatar a Amazônia. Dessa forma, o cálculo da eficiência ambiental do etanol importado do Brasil teria que incluir o volume de emissões de gases-estufa no desmatamento da Amazônia, mesmo se não foi para produzir biocombustível.
Certos negociadores brasileiros parecem confiar nos EUA para frear dentro do G-8 ameaças sobre a carne bovina e o etanol em estratégias globais contra a crise alimentar. Mas a terceira lição do encontro na Itália é precisamente que o Brasil precisa levar a sério sua própria estratégia de querer influenciar na governança global e estar presente. Segundo uma fonte europeia, quando os ministros do G-8 viram o segundo escalão enviado por alguns países emergentes, incluindo o Brasil, anularam um segundo encontro e um comunicado conjunto sobre agricultura e a recessão global. Segundo uma fonte do G-8, os ministros não queriam discutir com "tecnocratas".
Para quem acompanhou de longe o G-8 e esperava em dois dias uma solução para a crise alimentar, pode parecer que o encontro foi um fiasco. Na verdade, ele começou a recolocar a agricultura no centro da agenda politica internacional, com os alertas que ficaram para o Brasil.
(Por Assis Moreira,
Valor Econômico, 22/04/2009)