Os mais antigos contam que um tropeiro, de nome Felipe Rodrigues, chegou a uma área dominada pelo cerrado, pelos idos de 1730, e se banhou num imenso lago. A água lhe aliviou as fortes dores e cicatrizou as feridas das pernas. A notícia se espalhou e atraiu peregrinos de todas as bandas. Foi o início do povoamento do arraial que, séculos depois, cresceu e se transformou em uma das principais cidades da área hoje conhecida por Região Metropolitana de Belo Horizonte. O nome dela não poderia ser outro: Lagoa Santa. Rica em belezas naturais, como a Gruta da Lapinha, atraiu levas de pesquisadores, no rastro do trabalho pioneiro do paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880). Por motivos bem diversos, também foi o destino de milhares de famílias que se mudaram para lá, principalmente nas últimas três décadas, em busca de sossego.
Porém, toda essa procura não deu origem apenas a belas histórias. A pressão populacional no período engoliu parte expressiva da cobertura vegetal da cidade, como mostra o estudo "(Re)organização espacial do município de Lagoa Santa /MG", comparando dados do uso e ocupação do solo entre 1977 e 2007 - dissertação da geógrafa Maíra Patrícia Fernandes Campolina, de 25 anos, defendida no programa de Pós-Graduação em Geografia e Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas, sob orientação do professor Alexandre Diniz. Ela diz que o texto é importante para auxiliar nas discussões sobre o aumento da população na região, principalmente em um momento no qual a pressão urbana deve a crescer a taxas nunca antes vistas. O chamado Vetor Norte, no qual se inclui a cidade, tende a ser alvo da nova febre de adensamento populacional na Grande BH.
A prefeitura estima que o total de moradores de Lagoa Santa, hoje com 45 mil habitantes, vá dobrar em menos de uma década. Há vários motivos para a migração, como o centro administrativo, que está sendo levantado no eixo norte de BH, e o desenvolvimento no entorno do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, impulsionado, entre outros motivos, pelas obras da Linha Verde, via expressa que liga o Centro de BH ao terminal. A pesquisadora se debruçou sobre dados do poder público e imagens de satélite para comparar a ocupação e uso do solo do município. De posse dos dados, elaborou mapas que mostram a evolução populacional e mudanças na área abrangida pelo cerrado, bioma característico da região.
A pesquisa constatou que a área ocupada por essa vegetação representava 17% do território de Lagoa Santa em 1977. Trinta anos depois, caiu para 6,4%. Já o campo cerrado, subespécie com cobertura vegetal mais baixa, passou de 43,5% para 26,36%. No caso da mata ciliar e galerias, a queda foi de 4,81% para 2,79%. Por outro lado, devido à explosão dos condomínios e o surgimento de bairros e vilas, a área urbanizada saltou de 4,9% para 16,9%. O terreno destinado à agropecuária também cresceu: de 13,1% para 23,9%.
"Seguindo o curso dos avanços na área de infraestrutura e logística, a alta valorização dos imóveis, a proliferação de condomínios fechados e a implantação de grandes empreendimentos acabaram por reforçar o conflito estabelecido no município e resultante da coexistência entre áreas de preservação e de expansão residencial, comercial e industrial. (...) Pressões sobre o sistema ambientalmente frágil do município são crescentes, à medida que evoluem e se alteram as formas de utilização do solo e de produção do espaço metropolitano", diz.
De fato, o avanço urbano traz reflexos para o dia-a-dia dos moradores, demanda respostas do poder público e divide opiniões entre os que defendem as vantagens econômicas do progresso e os que se preocupam com suas consequências. Uma polêmica com implicações diretas sobre o ambiente de uma região cujas características naturais únicas permitiram a preservação de fósseis que tornaram o nome Lagoa Santa conhecido mundialmente.
(Por Paulo Henrique Lobato,
Estado de Minas, 20/04/2009)