Houve um tempo em que o reino saudita, apesar das condições naturais desfavoráveis, fez da autossuficiência alimentar uma causa nacional. No espaço de três décadas, entre 1971 e 2000, graças a uma política de irrigação sustentada pelos fundos públicos, a superfície agrícola útil passou de 0,4 a 1,6 milhão de hectares, sendo que as terras cultiváveis estavam concentradas nas províncias de Há'il e de Qassim, ao norte de Riad, e nas do sudoeste, Jizan e Najran.
Essa política teve seu sucesso: segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em 1995, a produção de trigo (2,5 milhões de toneladas) ultrapassou largamente o consumo interno (1,8 milhão de toneladas). "O reino era exportador de trigo, mas com um custo de produção quatro vezes maior que os preços mundiais", diz Zaher al-Mounajjed, um consultor.
O abismo financeiro cavado por essas práticas agrícolas e os prejuízos causados pelo bombeamento dos lençóis freáticos fósseis do país levaram a um questionamento desse modelo. A crise alimentar da primavera de 2008 lhe trouxe um golpe fatal. "Em um contexto de tensões sobre os mercados de matérias-primas, os estoques estratégicos constituídos nesse período pelo Irã e as compras especulativas levaram a uma disparada nos preços que atingiu o alimento de base na Arábia Saudita: o arroz", explica um especialista europeu em economia saudita.
As consequências sociais dessa elevação, apesar da política de subsídios em vigor para os alimentos de base, levaram as autoridades a pensarem em outra fórmula para garantir a segurança alimentar do país mais povoado da península (25 milhões de habitantes). Paralelamente ao aumento dos subsídios para o arroz, a partir de dezembro de 2007, a Arábia decidiu abrir mão de determinadas produções agrícolas, a começar pelo trigo. Em janeiro de 2008, o governo decidiu diminuir em 12,5% a produção nacional. Até o fim de 2015, o reino dependerá inteiramente das importações para esse cereal.
Prospecções no SudãoMas o país não desistiu de seu antigo sonho: as compras de terras no exterior estão diretamente ligadas à busca de uma autossuficiência agora deslocalizada. Essa disposição corresponde, em 2008, à iniciativa do rei Abdallah em fazer investimentos sauditas no exterior. As autoridades decidiram apoiar financeiramente e politicamente os empresários privados interessados. Um fundo de US$ 600 milhões foi constituído e levado, em abril, a US$ 800 milhões. Ele pode aumentar.
Os grupos agroalimentares sauditas começaram suas prospecções sob a égide dos ministérios do comércio e da agricultura. Alguns se voltaram para a África, levando em consideração sua proximidade com o reino. É especificamente o caso de uma empresa do Há'il, a Hadco, que depois de ter interrompido a produção de trigo, aluga milhares de hectares ao Sudão (seu objetivo é cultivar 40 mil deles). Essa empresa também procura oportunidades na Turquia.
O grupo Bin Laden, especializado em obras públicas, lidera um consórcio na Ásia, esperando administrar 500 mil hectares de arrozais na Indonésia, dentro de um projeto agrícola de 1,6 milhão de hectares incluindo a produção de biocombustíveis. "É uma diversificação hábil, pois permite jogar com a imagem do interesse público", acredita o especialista europeu.
Em janeiro, o primeiro arroz "saudita" produzido no exterior foi apresentado ao rei Abdallah. O consumidor saudita não sente a diferença. Apesar da inversão da conjuntura, ele continua a pagar um preço elevado por sua alimentação, correspondente ao nível em vigor para as compras em massa efetuadas em 2008 para evitar uma crise alimentar.
(Le Monde/
UOL, 19/04/2009)