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direitos indígenas funasa
2009-04-20
Nas últimas semanas, índios das mais diferentes localidades do país reclamaram sobre a precariedade do atendimento que a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) destina a seus povos. As reclamações não são novidades nem casos isolados. Costumeiramente o órgão responsável por gerir a saúde dos índios brasileiros é acusado de inoperância e ineficiência naquelas que deveriam ser suas atribuições. Um dos que protestou contra o descaso destinado às populações indígenas foi Marcelo Cinta Larga, coordenador do Conselho dos Povos Indígenas,

O representante dos índios foi inclusive participar de um encontro entre lideranças e autoridades da Funasa que pretendia justamente discutir os problemas relacionados à saúde indígena. Seu objetivo era denunciar a falta de transporte adequado para o trabalho de prevenção e deslocamento dos doentes. Entretanto, o líder Cinta Larga explanar sua posição durante sua participação no encontro. Marcelo foi impossibilitado de falar sobre os problemas enfrentados nas aldeias.

A situação dos Cinta-Larga continua péssima. Após terem desocupado a área do garimpo ilegal na Terra Indígena Roosevelt, em Espigão D' Oeste (RO), região que já foi palco de grandes conflitos que envolveram inclusiva a morte de pessoas, cumprindo um acordo com as autoridades, os indígenas se dizem abandonados pelo poder público. Nas aldeias os postos de saúde só têm os medicamentos básicos.

Além disso, as aldeias não têm como fazer a manutenção dos agentes de saúde para o acompanhamento principalmente das crianças e jovens. Outra reclamação fica por conta do tratamento de água nas aldeias, que inexiste. Segundo Marcelo, os poços estão todos contaminados, não há água para os índios beberem, o que acarreta na proliferação de muitas doenças, que afetam principalmente as crianças da tribo.

A criação da Funasa
A Funasa é uma fundação que nasceu errada e tem tudo para dar errado. A idéia de retirar da Funai a assistência médica dos índios brasileiros pode ser considerada um tiro no pé. Para tratar de povos indígenas, mais do que respeito, é preciso conhecimento. É preciso ter a noção sobre o que pode dar certo e o que não pode.  Para isso é necessário comprometimento. Não apenas dos profissionais que fazem o serviço (os médicos), mas também das pessoas responsáveis pela área financeira e as que realizam o treinamento.

A criação da Funasa foi um erro porque não surgiu do ideal de descentralizar a relação do Estado com os povos indígenas, criando diversas agências e fundações. Mesmo isso estaria errado. Por mais extensa que seja nossa nação indígena, os portugueses e a elite brasileira que se seguiu já fizeram boa parte do trabalho do "desenvolvimento econômico".  Restam poucas tribos.  Nesse sentido, centralizar as decisões numa Fundação Nacional do Índio (Funai) fortalecida parece ser o correto.

Mesmo a Funai não sendo perfeita, de uma maneira geral, o órgão de relacionamento com tribos indígenas é a Funai. É lá que estão - ou deveriam estar - os especialistas, os antropólogos, os médicos, o pessoal de base, enfim, servidores públicos comprometidos com a missão de tratar com índios.

A Funasa controla um terço dos investimentos de todo o Ministério da Saúde. Isso equivale à quantia de R$ 4,5 bilhões, quantia maior do que dispõe vários ministérios. Recente investigação do TCU (Tribunal de Contas da União) encontrou irregularidades em todos os 65 convênios auditados.  Balanço feito pela CGU (Controladoria Geral da União) contabilizou prejuízo de R$ 33,8 milhões nos mais graves casos de superfaturamento e demais irregularidades identificados nos últimos três anos.

 Além de tudo, a Funasa, além de mais esvaziada que a Funai, é quase que totalmente terceirizada para interesses partidários. É de um imobilismo atroz. Seu presidente, Francisco Danilo Fortes é muito ligado a Renan Calheiros. Em novembro do ano passado, José Gomes Temporão, ministro da Saúde, pediu menos corrupção e mais trabalho à Funasa. O PMDB logo veio pedir que o ministro voltasse atrás nas declarações. E como o ministro já não goza de boa simpatia da imprensa e dos políticos - ele nem é tão ligado ao PMDB assim - iniciou-se um carnaval ridículo para forçar sua saída do cargo.

 É consenso entre os indígenas - que são os maiores interessados nessa questão toda - que a Funasa não funciona. Ao menos não nos termos em que a situação está posta.  E a opinião deles, como há 509 anos, segue sendo solenemente ignorada.

 Os Kaxariri
Esse outro povo, que vive na terra indígena de mesmo nome, no estado de Rondônia, também se manifestou contra o descaso na assistência à saúde indígena.  O protesto iniciou no dia 28 de março, durante a visita da equipe multidisciplinar de saúde indígena da Funasa à região.

 As reclamações se deram porque os índios se consideram em situação de completo isolamento e abandono em à assistência à saúde. Faltam consultas, remédios, meios de comunicação (sistema de radiofonia), transporte, técnicos bem formados, entre outras necessidades.

Os pacientes com consultas marcadas na cidade precisam pagar seu deslocamento e quando chegam à Casa de Assistência à Saúde Indígena (Casai), a equipe de atendimento está, geralmente, desarticulada em relação à consulta médica agendada.  O paciente fica assim sem definição sobre seu atendimento e sem possibilidade de retorno para sua comunidade. Após a longa peregrinação para conseguir a consulta, os indígenas ainda precisam comprar os remédios e sua passagem de volta, pois a Funasa alega não dispor de recursos para isso.

Ação do Ministério Público
Para piorar a situação da Funasa, coordenadoria em Mato Grosso teve de apresentar informações sobre a ação do Ministério Público Federal (MPF) que apurava denúncias feitas pelo Conselho Indígena Missionário (Cimi) envolvendo irregularidades no atendimento médico prestado aos xavantes na região de Campinápolis, município localizado 565 quilômetros a leste de Cuiabá e maior pólo de etnia Xavante em Mato Grosso com aproximadamente 5.650 índios em 89 aldeias.

 Segundo a entidade representante dos indígenas, as falhas no atendimento de saúde provocaram a morte de pelo menos 17 xavantes este ano na terra Parabubure, nas proximidades da cidade de Campinápolis. De acordo com as informações, 14 óbitos foram de crianças somente nos dois primeiros meses de 2009. Trata-se do aspecto mais preocupante da alta mortalidade indígena na região do Araguaia.  A Funasa não tomou nenhuma providência até agora.

Casos de desnutrição e pneumonia são os mais freqüentes nas aldeias. Também faltam médicos, remédios e veículos para o transporte de pacientes. Conforme a denúncia encaminhada ao MPF, a insuficiência no serviço de transporte já fez duas vítimas nos últimos dias.

Uma criança indígena morreu na região justamente por falta de transporte. Ela contraiu pneumonia e apresentava sinais de desnutrição. Antes mesmo de receber socorro, a criança faleceu. Em outro caso, uma gestante perdeu seu bebê pela falta de condições para se conduzir à unidade de saúde mais próxima.

Um levantamento feito pela própria comunidade registrou 54 óbitos nas aldeias de Campinápolis no ano passado. A maioria foram casos de crianças desnutridas e vítimas de outros tipos de doenças.

Tal situação já era conhecida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) da região. Memorando da Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) de fevereiro de 2009 mostra que a situação já se arrasta há quase dois anos sinal de que possa ser resolvida.

 Os problemas e as reclamações são os velhos conhecidos: ausência de medicamentos básicos, falta de transporte adequado - pela condição das estradas na região, as viaturas precisariam ser do tipo pick-up e com tração nas quatro rodas -, falta de condições de trabalho para as equipes médicas e de acomodação para os pacientes.

 A burocracia é outro grande empecilho no atendimento aos índios. A aquisição de bens como cama e colchão, ou a reforma do local, precisam passar por um processo que Franz Kafka assinaria. Para que as solicitações dali sejam atendidas é necessário primeiro enviar um pedido para Barra do Garças - centro administrativo do Dsei Xavante.  Dependendo do que se precisa em Campinápolis, o pedido mandado a Barra é repassado para Brasília, onde funciona a administração Funasa.  Isso provoca atrasos na entrega de alimentos e medicamentos à Casai.

A demora para chegada dos medicamentos é de no mínimo uma semana. A Casai não recebe dinheiro, somente os produtos por meio dos pedidos enviados a Barra do Garças.

Outra dificuldade é formar um quadro com médicos fixos, já que o salário oferecido pelo órgão federal é baixo.

 Esses foram apenas alguns exemplos da situação que os índios brasileiros enfrentam para simplesmente se manterem com saúde, direito básico de qualquer ser humano. Visando resolver esses problemas, a presidência da República anunciou a criação de uma nova secretaria, a Secretaria Especial de Saúde Indígena, que como o próprio nome já diz, assumiria a responsabilidade pelas condições de saúde dos índios brasileiros.

Mais do que um novo órgão, o que os indígenas precisam é de governantes que os respeitem e os levem a sério. Que entendam suas demandas particulares, lhes ofereçam todas as condições para que eles preservem seus aspectos culturais e transformem aqueles que acharem que devem, desde que seja uma livre escolha e não uma necessidade imposta pelo descaso do Estado.

(Por Filippo Cecílio, Amazonia.org, 19/04/2009)

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