O site Amazonia.org.br entrevistou o diretor responsável pelo Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Wanderley Guenka, que falou sobre as dificuldades que o órgão enfrenta para atender à saúde dos indígenas, perspectivas de melhorias futuras e sobre a criação da nova Secretaria Especial de Saúde Indígena. Confira:
Amazonia.org.br - Qual avaliação o senhor faz sobre a implementação e execução do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena?Wanderley Guenka - Ele está em vias de completar dez anos. Pela primeira vez o governo brasileiro colocou essa especificidade na questão da saúde, atribuindo ao Ministério da Saúde essa responsabilidade.Na nossa visão, melhorou bastante. Mas precisa melhorar muito ainda. Há uma demanda reprimida de vários anos. Desde a época da colonização não se teve um trabalho específico para a saúde indígena como esse que está sendo feito agora nos últimos anos. Há essa demanda em infraestrutura, recursos humanos capacitados para lidar com as diferenças, a questão da logística de acesso, são várias dificuldades.
Aquilo que ainda falta ser implementado ou posto em prática já tem articuladas as condições necessárias para sua execução?Guenka - A maior dificuldade que a Funasa enfrenta é com relação aos recursos humanos. Profissionais que atuem na questão indígena.Hoje uma pequena quantidade é formada por servidores públicos concursados, mas a grande maioria é ainda contratada, ou através dos municípios, com recursos de incentivo (de Fundo Nacional para Fundo Municipal), e outros vindo dos convênios e parcerias que a Funasa promove para dar assistência à saúde indígena. Essa é nossa maior fragilidade.Embora já haja a proposta de substituição desses funcionários com a realização de concursos públicos, começando agora em 2009 e se estendendo até 2012. A questão do investimento nas aldeias, em postos de saúde, Pólos-Base e Casas de Saúde indígenas ainda é um problema. Precisamos investir mais.
Essa pergunta viria mais tarde, mas como o senhor tocou no assunto, vamos mudar o roteiro um pouco. Como estão funcionando os Pólos-Base de Saúde e as Casas de Saúde Indígena? Estão conseguindo dar conta da demanda apresentada pelos pacientes?Guenka - Nós temos muitas dificuldades para levar nossos funcionários para a área das aldeias, principalmente na Região Norte. 45% das comunidades indígenas estão localizadas nessa região, que é geograficamente muito grande.Os territórios indígenas também estão em sua maioria concentrados no norte do país. Só os Ianomâmis tem 9,5 milhões de hectares, por exemplo. Isso é maior do que o estado de Pernambuco. As terras indígenas ocupam cerca de 12% do território nacional, então a população fica muito dispersa. Temos muita dificuldade em alcançá-los.Só se chega nas aldeias por meio aéreo ou fluvial, levando de 6 a 10 dias no trajeto. Então lá não há estrutura para receber os profissionais de saúde e para que esses possam executar seu trabalho com qualidade.
Dados da própria Funasa estimam que a população indígena no Brasil é de mais de 400.000 pessoas, com 215 povos. Os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas existentes conseguem atender a tudo isso?Guenka - Os distritos foram pensados em cima da base territorial indígena, das etnias, por isso foram criadas essas 34. Elas dão conta. O que precisamos é melhorar a acessibilidade. Precisamos ter mecanismos e estrutura para acessar as aldeias, levar as equipes e, quando necessário, retirar os indígenas de lá. Tudo ali é grandioso, e as dificuldades idem.Temos essa especificidade para lidar. Tem que respeitar a questão cultural, alguns profissionais precisam aprender os idiomas locais para trabalhar com as populações, outros dependem 24 horas de intérpretes, e isso precisa ser entendido. Quando você trata um paciente numa capital, Manaus, por exemplo, é uma coisa. Mas quando você vai atender populações indígenas muito dispersas, há essa dificuldade em resolver a questão da saúde.
Com relação aos recursos financeiros. Qual é a real necessidade da Funasa para atender a todas essas demandas e contornar esses problemas que o senhor colocou?Guenka - Recurso não sobra. A parte orçamentária nem sempre corresponde aquilo que é solicitado, mas, de uma forma geral tem sido suficiente. A grande dificuldade reside em obter recursos de investimento. O que significa isso? São aqueles recursos voltados para a construção, tanto de Pólos-Base quanto de Casas de Apoio, aquisição de barcos-motores, carros, equipamentos. Esse é o recurso mais difícil de obter, não só para a Funasa, mas para qualquer órgão do Ministério da Saúde. Na saúde indígena essa é nossa maior dificuldade em termos orçamentários.
Como anda o processo de capacitação dos agentes de saúde?Guenka - Temos várias situações. Na região do Amazonas estamos trabalhando com uma escola técnica do governo que realiza essa capacitação para todos os distritos sanitários. Esse processo leva tempo, há primeiro a fase de concentração, mais teórica, e depois a fase de expansão, já nas aldeias, com os novos agentes sendo acompanhados pelos profissionais de saúde. E no final desse curso haverá um certificado.
Quando a Funasa foi criada, há dez anos, para assumir a responsabilidade sobre a saúde indígena, a Funai apresentou forte resistência. Como é a relação entre vocês hoje? No que isso dificulta o atendimento aos povos indígenas?Guenka - Aquele período foi muito tumultuado. Mas hoje já se passaram muitos anos, e nossa relação é de parceira. Somos parceiros dentro da área indígena, são os dois órgãos federais que estão presentes nessa questão. Trabalhamos um ajudando ao outro.
Que avaliação a Funasa faz da perspectiva de criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena que viria assumir o seu lugar? A criação de mais um órgão é mesmo a melhor solução para todos os problemas que os índios enfrentam no que se refere a sua saúde?Guenka - Essa é uma decisão do governo. Uma política do governo de criar uma secretaria. Estão sendo feitos vários estudos, reuniões e discussões para tornar isso uma realidade. Na minha opinião, se não forem resolvidos os entraves que a Funasa hoje enfrenta, lá nesse novo local os problemas e as dificuldades se repetirão.Em termos de encaminhamento, a Funasa já fez essa proposta ano passado, da autonomia distrital, algo que os indígenas sempre reivindicam nas conferências; a contratação de recursos humanos é fundamental, a gestão tem que ter servidor público pois, de outra forma, teria muita rotatividade, além do concurso público já previsto. Então, independente da criação ou não dessa secretaria, esse processo tem que continuar.
(Por
Filippo Cecílio,
Amazonia.org, 19/04/2009)