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direitos indígenas
2009-04-20
Proposta para um novo Estatuto dos Povos Indígenas, que deverá atualizar a lei vigente, de 1973, consolida o respeito à autonomia indígena para opinar sobre questões que lhe digam respeito, como a permissão para a exploração de recursos hídricos e minerais em suas terras.

De acordo com Ana Paula Souto Maior, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), muitos pontos do novo Estatuto já foram consolidados pelas práticas governamentais que passaram a respeitas a Constituição Federal de 1988. No entanto, a proposta de atualização da Lei traz avanços.

A mudança da perspectiva da tutela indígena e a obrigação de proteção especial aos direitos indígenas por parte da União são alguns deles. “Um avanço do novo Estatuto é o respeito da autonomia dos índios e do direito de consulta e participação desses em discussões que os afetem”, afirma Ana Paula.

No que diz respeito à autorização da exploração de minérios e recursos hídricos em Terras Indígenas (TIs), a advogada informou que o Estatuto dos Povos Indígenas irá prever em que condições tais atividades poderão ser realizadas nos territórios dos índios, conforme exigência da Constituição Federal (CF) para que os empreendimentos sejam permitidos. Além dessa norma específica, a constituição exige que a exploração mineradora ou energética nas TIs seja autorizada pelo Congresso Nacional e permitida pelos povos indígenas afetados.

No final do ano passado, voltou a tramitar na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei sobre mineração em TIs com a finalidade de regulamentar tal atividade, porém o movimento indígena se mobilizou contra a regulamentação de temas específicos por leis dispersas, exigindo que o tema fosse tratado por um marco de normatização da relação do Estado com as populações indígenas, que seria o novo Estatuto dos Povos Indígenas.

Na prática, a previsão de condições para a realização de exploração mineradora e energética em TIs pelo novo Estatuto irá fazer com que tais atividades passem a acontecer em territórios indígenas de forma legal. De acordo com Ana Paula, hoje existem casos de mineração ilegal ocorrendo em terras pertencentes a índios de Rondônia.

Para a advogada, o Estatuto dos Povos Indígenas será importante para harmonizar dispositivos da Lei de 1973 ao que prevê a Constituição Federal de 1988. Ela explica que o Estatuto vigente tem ainda a lógica da assimilação dos índios, que aos poucos deixariam de ter sua própria cultura para serem englobados pela sociedade nacional.

A CF de 88 mudou essa perspectiva, passando a reconhecer a diversidade cultural. Com base nisso, o novo Estatuto prevê é o fim da tutela paternalista dos interesses indígenas pela Fundação Nacional dos Índios (Funai).  O órgão indigenista federal continuará responsável por proteger os bens dos índios, mas passará a atuar em conjunto com as populações indígenas, respeitando sua autonomia.

Convenção 169 da OIT
Outro avanço será a regulamentação do que prevê a Convenção 169 da OIT, que foi ratificada pelo Brasil, porém ainda não é cumprida por falta de orientação legal.

A Convenção diz que os povos indígenas têm direito de ser consultados com relação às medidas legislativas e administrativas que possam afetá-los. Hoje, porém, segundo Ana Paula, diversos empreendimentos econômicos são realizados com impactos aos índios sem que antes eles sejam consultados.  

“Os índios são tratados como pessoas que vão sofrer o impacto da obra e que serão indenizadas pelos efeitos negativos causados, mas não são escutados para discutir as propostas de desenvolvimento para uma região ou os efeitos de um projeto”, afirmou.

Responsabilização penal dos índios
De acordo com Ana Paula, o Estatuto do Índio vigente já diz que os indígenas são responsáveis penalmente.  Inclusive, segundo ela, existem no Mato Grosso do Sul e em outros estados, centenas de indígenas presos e sem tratamento com respeito a sua cultura.

A legislação atual diz que os índios devem ser julgados de acordo com sua cultura, e o ato criminoso por ele cometido deve ser analisado sob a perspectiva do direito e da cultura indígena. De acordo com o Estatuto hoje vigente, os indígenas têm direito a serem ouvidos e compreendidos em sua própria língua nos inquéritos e processos penais. Porém, segundo Ana Paula, isso dificilmente ocorre, o que faz com que a defesa dos índios seja prejudicada por dificuldade de comunicação.

O Estatuto dos Povos Indígenas de 1973 prevê também que, em casos de condenação, os indígenas devem cumprir a pena no órgão indigenista federal ou em local próximo da própria aldeia, mas isso não tem representado uma diferença de tratamento penal aos indígenas, de acordo com Ana Paula.

“Há um preconceito. Assim como se diz que índio tem muita terra, diz-se que índio não é punido. Mas, esses são mitos que não correspondem à realidade.”, afirma.

A advogada também diz que hoje não há intérpretes para que os índios possam ser ouvidos em sua própria língua durante os julgamentos e, por isso, muitos vêm sendo punidos e julgados sem que sua diferença cultural seja considerada.

A exigência de laudo antropológico pelo juiz para que avalie o modo como um ato criminoso é visto dentro da cultura indígena de quem o praticou já é pedida em alguns casos, mas não é exigência. Portanto, sua previsão pela nova proposta de Estatuto é positiva, segundo Ana Paula.

Demarcações de terras indígenas
A nova proposta de Estatuto dos Povos Indígenas traz um item que aborda a questão territorial e a demarcações de terras indígenas. Para Ana Paula, porém, se aprovada como atualmente está, a nova lei não trará inovação quanto ao tema, mas apenas confirma o modo como os processos de demarcação de TIs são conduzidos hoje pela Funai.

O novo estatuto diz sobre o tema o que já foi ratificado pela recente decisão do STF sobre a TI Raposa Serra do Sol, no que diz respeito ao reconhecimento de que as terras indígenas devem ser demarcadas de forma contínua- não em ilhas- e podem existir em áreas de fronteira, sem ameaça à existência do ente federativo estadual e ao desenvolvimento econômico do país.

De acordo com Ana Paula, as 19 condições impostas pelos ministros da corte só reafirmam o que prevê a Constituição Federal e trazem como única inovação a negação da possibilidade de se ampliarem os territórios indígenas. Mesmo a exigência contida na decisão do Supremo de que os estados participem do processo demarcatório já havia sido prevista em 76, por meio do decreto 1775/96.

Elaboração
A proposta de novo Estatuto dos Povos Indígenas é uma iniciativa do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão intergovernamental formado por representantes de organizações indígenas de todo o país e agentes dos órgãos do governo que tenham políticas para populações indígenas.

De agosto a dezembro do ano passado, a CNPI promoveu dez reuniões regionais pra discutir propostas para o novo Estatuto, e, atualmente, as discussões ocorrem em Brasília com o objetivo de aprimorar o texto, que deve ser aprovado em próxima reunião da CNPI que será realizada no final de abril para depois ser levada à votação pela Câmara dos Deputados.

(Por Fabíola Munhoz, Amazonia.org, 19/04/2009 )

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