A usina hidrelétrica de Baixo Iguaçu, no Paraná, arrematada em leilão federal no ano passado pela Neoenergia, está novamente na berlinda. O Instituto Chico Mendes retirou seu aval ao licenciamento, segundo informações do governo do Paraná. E agora a obra, que vai requerer investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão, está sendo questionada por comerciantes, empresários e políticos argentinos, que estão se mobilizando para impedir a construção da usina. Na sexta-feira à noite (17/04), autoridades e empresários do turismo de Foz do Iguaçu se reuniram com seus pares e com deputados nacionais e provinciais do lado argentino na cidade de Puerto Iguazu, divisa com o Brasil, para discutir o assunto.
O tema já ganhou tamanha relevância que deverá estar na pauta da visita oficial do presidente Luis Inácio Lula da Silva, na quarta-feira (22), à presidente Cristina Kirchner, em Buenos Aires, segundo confirmaram fontes da área diplomática de ambos os governos. Mas é internamente que primeiro o governo federal terá que resolver a questão.
O Instituto Chico Mendes, órgão federal responsável pelo parque de Iguaçu, retirou a anuência para o projeto, segundo informa o secretário do Meio Ambiente do Paraná, Rasca Rodrigues, que diz que com isso todo o processo está paralisado. O Chico Mendes, por ser o órgão responsável pelo parque, tem de dar sua anuência para toda obra dentro do parque.
A usina foi leiloada no ano passado em meio a uma série de controvérsias. Mas a briga mais acirrada começou depois que a Neoenergia venceu a disputa com a proposta de R$ 98,00 o MWh, considerada extremamente agressiva pelos outros competidores. Dessa forma, a empresa, que é controlada pela Previ e pelo grupo espanhol Iberdrola, superou a proposta da Copel, a companhia de energia paranaense controlada pelo governo do estado.
Inconformado, o governador Roberto Requião iniciou uma jornada para tentar impedir a construção da usina e chegou a declarar que ela não seria construída pela Neoenergia. Passados quase sete meses, a usina agora é questionada pelos argentinos. Baixo Iguaçu será construída no município de Capitão Leônidas Marques, 90 km acima da cabeceira das cataratas do Iguaçu e apenas um quilômetro do Parque Nacional do Iguaçu.
A obra colocou em alerta toda a comunidade que vive no entorno das Cataratas pela perspectiva de alteração no fluxo de águas que as abastecem. Isso já acontece com a usina de Caxias, a mais próxima de Foz de Iguaçú, disse o deputado argentino Timoteo Llera, da província de Misiones. "Só pela abertura ou fechamento das comportas de Caixas, o caudal do rio varia de seis mil a mil quinhentos metros cúbicos por segundo, obrigando muitas vezes a suspender as atividades de turismo na área", diz o deputado. "Se a isso agregamos outra represa, será um desastre", afirma este ex-prefeito de Puerto Iguazu, filho de uma brasileira e um argentino, que está à frente de um movimento para impedir a construção da nova usina.
O presidente do Comtur (Conselho Municipal de Turismo Foz do Iguaçu), Newton Paulo Angeli, participou da reunião de sexta-feira na Argentina. Segundo ele, cerca de 100 pessoas estavam no Hotel Saint Jorge em Puerto Iguazu, entre eles quatro deputados federais e três deputados estaduais do país vizinho. "Eles definiram que vão pedir informações ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, mas estão contra a construção da usina", disse. A reunião durou duas horas.
Angeli disse que, por enquanto, o segmento turístico do lado brasileiro está em busca de informações porque teme que a usina possa, no futuro, afetar as Cataratas do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do país. "Temos de ter precaução. Todas as decisões vêm goela abaixo, mas se tiver algum problema, nós vamos sofrer depois", argumenta. A preocupação dos empresários da fronteira é que haja alteração na vazão de água das cataratas, e o medo aumentou com a recente estiagem.
O presidente de Itaipu, Jorge Samek, explicou que se trata de falta de conhecimento. "Na verdade, cada represa vai segurando água, armazenando, e isso beneficia as cataratas. A usina de Itaipu tem 44 usinas a montante, e todas eles enviam água para cá. Quando há seca, elas têm reservatório para usar." O chefe do Parque Nacional do Iguaçu, Jorge Pegoraro, disse que as discussões sobre a usina foram intensificadas nos últimos dias. Segundo ele, haverá impactos com a alteração do nível de água do rio, que "vai prejudicar várias espécies aquáticas". Angeli, do Comtur, acrescentou que, além da usina, na reunião foi sugerida a criação de uma frente parlamentar de fronteira para tratar se outros assuntos, como o tratamento a turistas que transitam entre os dois países.
Segundo uma fonte do governo brasileiro que pediu anonimato, o Brasil vai defender a construção da usina com o argumento de que já possui os relatórios que comprovariam o baixo impacto ambiental do projeto. Uma tecnologia chamada "fio d'água" será adotada na construção para garantir uma suposta neutralização dos efeitos do represamento sobre o caudal do rio, de acordo com esta fonte.
(Por Marli Lima, Josette Goulart e Janes Rocha,
Valor Econômico, 20/04/2009)