Está acontecendo no Brasil um grave retrocesso. Em 1988, a Constituição atingiu qualidade e modernidade ambiental inéditas, abrindo caminho para avanços importantes, muitos alcançados após processos demorados e difíceis. De uns tempos para cá -sobretudo desde o ano passado-, uma sequência de declarações de autoridades, desqualificando a legislação ambiental, abriu caminho para iniciativas que se avolumam e convergem para a clara intenção de desconstituir tais avanços, em nome de uma visão superada e imediatista de desenvolvimento.
Paradoxalmente, isso acontece no momento em que o mundo reconhece, em meio ao final de festa de um modelo consumista, poluidor e concentrador de riquezas, que a saída envolverá forte guinada para uma relação mais equilibrada com o meio ambiente. E, justo quando poderíamos assumir liderança inconteste nesse rumo, mergulhamos no atraso. O mais recente desatino foi o cavalo-de-troia que o deputado José Guimarães, do PT, introduziu na medida provisória de criação do Fundo Soberano, dispensando licença ambiental para duplicação e recuperação de estradas. De uma estrada vicinal na Amazônia se poderá fazer uma BR sem nenhum crivo ambiental.
O endereço da emenda é o asfaltamento da BR-319, em meio a 400 quilômetros de mata preservada. É lamentável que tenha sido gestada no Ministério dos Transportes e encaminhada na Câmara com aval do líder do PT. Perdeu-se a noção do que significa um empreendimento desses na Amazônia, sem as devidas salvaguardas socioambientais, em termos de expansão da frente econômica predatória.
O imediatismo joga no lixo o esforço para estruturar o sistema de licenciamento dentro de uma visão de avaliação ambiental integrada que já apresenta bons resultados. A pressa em driblar o licenciamento é, de certa forma, ato falho, pois escancara que a situação justificaria fortes condicionantes ambientais ou até mesmo a negação da licença. Daí partiu-se para ganhar o jogo no tapetão.
Duas barreiras ainda se colocam diante dessa vergonha: o Senado e o veto do presidente Lula. Mas, para isso, é preciso sustentação da sociedade. No Acre de Chico Mendes os empates eram um ato de resistência no qual trabalhadores, mulheres e crianças se colocavam diante das árvores prestes a cair a golpes de motosserras, num movimento pacífico para levar à negociação. Agora o Brasil tem outras formas de empate, inclusive o eletrônico. A hora é essa, porque parte do Congresso e do governo está com as motosserras ligadas, prestes a botar abaixo nossa legislação ambiental.
(Por Marina Silva,
Folha de S. Paulo, 20/04/2009)