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indígenas isolados Indígenas da Amazônia desmatamento da amazônia
2009-04-20
Avanço de madeireiras e construção de estradas ameaçam povos da fronteira entre Brasil e Peru

Até quando será possível resistir? Em qual momento será obrigatório romper o isolamento e iniciar a aproximação? O sertanista José Carlos Meirelles se faz essas perguntas com uma angústia crescente. Ela envolve o trabalho que realiza há mais de vinte anos nas florestas do Acre, na fronteira amazônica entre Brasil e Peru: é o responsável pela vigilância das terras dos índios isolados daquela região - um dos últimos povos do mundo que vivem completamente à parte, sem contato nenhum com a chamada civilização.

Meirelles passa a maior parte do ano na Base do Xinane, um posto avançado que a Fundação Nacional do Índio (Funai) plantou às margens do Rio Envira, de frente para o santuário que ele vigia para evitar invasões. Um trabalho difícil, executado com o estoicismo dos velhos missionários: protege o isolamento de um povo que não vê e que o considera um intruso. Em 2004, num encontro inesperado, à margem de um rio onde pescava, foi flechado por um índio. A flecha penetrou a face e saiu no pescoço. Por pouco o incidente não lhe custou a vida.

É da Base do Xinane que Meirelles tem lançado apelos cada vez mais insistentes às autoridades do Brasil e do Peru, chamando sua atenção para a devastação da mata que ocorre no território peruano, empurrada por madeireiros e garimpeiros. Nesse movimento, os índios peruanos, acuados, fogem para o território brasileiro, onde enfrentam a resistência dos índios daqui, que protegem o território.

"Apesar dos apelos, a situação só piora. Índios estão entrando em conflito com índios. É como se um país invadisse outro. Vai começar a morrer gente. Estou vendo um desastre prestes a acontecer", disse o sertanista ao Estado, em conversa por telefone, na semana passada. "Do lado de lá prosperam três grandes indústrias: a das madeireiras, a dos garimpeiros e a do plantio de coca", explicou.

"O mogno da da floresta central peruana, considerado o filé das madeireiras, está terminando, mas ainda há grande procura por ele, assim como por massaranduba, pau-d?arco e outras madeiras. Acho que a única maneira de frear isso é uma campanha internacional para alertar quem compra a madeira, na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia. Precisam saber que cada mesa de mogno que compram traz, no mesmo pacote, dois índios mortos. Os americanos precisam parar de enterrar pessoas em caixão de mogno."

Cerco
A impaciência de Meirelles aumenta. Percebe que as ameaças ao projeto ao qual dedicou boa parte de sua vida - a preservação do isolamento indígena - aumentam a passos largos. As madeireiras, os garimpeiros e os traficantes que utilizam a região para o plantio de coca, como ele aponta, constituem a parte mais agressiva e imediata do problema. Mas não são só eles.

A região está sendo cercada por rodovias. A lista inclui a BR-364, que sai do interior de São Paulo e vai até Assis Brasil, no extremo do Acre, na tríplice fronteira entre Peru, Bolívia e Brasil; a BR-317, que corta parte daquele Estado em sentido longitudinal; e outras duas rodovias interoceânicas, cuja construção o governo brasileiro está patrocinando, com o intuito de facilitar o transporte de mercadorias nacionais até os portos Pacífico.

Do lado peruano também existe uma corrida para exploração de jazidas petrolíferas na região amazônica. Um dos lotes foi concedido à empresa brasileira Petrobrás. Por último existe a ameaça de grupos religiosos evangélicos, que desejam converter índios isolados. É diante desse cerco que Meirelles, ao mesmo tempo em que tenta, a curto prazo, evitar o fratricídio indígena, já começa a se perguntar até quando será possível manter o isolamento.

"O pessoal que trabalha com isso já percebe que tudo está indo muito rápido. Estão comprimindo o território indígena de uma tal maneira que o contato vai ser inevitável. Diante disso, acho que é melhor acontecer com a gente do que com os garimpeiros ou madeireiros. As duas formas serão muito ruins para eles. Mas, com a gente, pode ser menos pior."

E aí surge um novo desafio: quando é que se deve começar o contato dos indigenistas com os isolados? Meirelles faz a pergunta, mas não quer a resposta. Por enquanto sua preocupação é chamar a atenção para os índios ameaçados. Foi com o seu apoio que, no ano passado, a Funai produziu e distribuiu para o mundo a impressionante foto aérea de um grupo de índios isolados, na fronteira com o Peru. Dois guerreiros apareciam atirando flechas contra o avião, como se pudessem derrubá-lo. Foi um gesto extremo de Meirelles, que sempre preferiu ocultar os povos que protege.

(Por Roldão Arruda, O Estado de S. Paulo, 19/04/2009)

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