Parlamentares
ruralistas se preparam para apresentar no Congresso um projeto para
mudar radicalmente a legislação ambiental. Além das polêmicas
alterações no Código Florestal brasileiro – propostas que vêm sendo
encabeçadas pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes,
a bancada ruralista finaliza um projeto de lei para criar o Código
Ambiental Brasileiro, que substituirá o atual Código Florestal. O
pré-projeto foi apresentado em reunião da Frente Parlamentar da
Agropecuária na última terça-feira (14/04).
A principal aposta é
na descentralização da política ambiental no país. A intenção é retirar
poderes do governo federal e estender para todos os estados brasileiros
a experiência catarinense com a criação de um código ambiental do
próprio estado. O código catarinense tem recebido duras críticas por
contrariar as diretrizes da legislação federal e, entre outras coisas,
reduzir a área de mata ciliar – vegetação de proteção ao longo dos
cursos d’água como rios e nascentes – de 30 para cinco metros nas
pequenas propriedades rurais.
Nesta semana, o ministro do Meio
Ambiente, Carlos Minc, reagiu à sanção do código catarinense e chegou a
ameaçar com prisão quem descumprir as leis federais. Minc determinou ao
Ibama que despreze a lei estadual de Santa Catarina e anunciou que irá
recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). “O que se quer é
descentralizar a política ambiental. Não dá para ter a pretensão em um
país com a proporção do Brasil se fazer uma legislação genérica para
todos os estados, só que o nosso genérico pega minúcias como, por
exemplo, os 20% para o Sul de reserva legal. Quem disse que é esse o
tecnicamente adequado?”, questionou a assessoria jurídica da Frente da
Agropecuária, Samanta Pineda, responsável técnica pelas propostas de
mudança.
As mudanças estão sendo estruturadas por um grupo de
deputados e senadores ligado ao setor produtivo. Segundo a assessoria
da frente, não há participação de parlamentares ligados aos interesses
ambientalistas. Na terça, o grupo realizou a primeira exposição das
diretrizes do projeto. Alguns parlamentares da bancada ruralista
discordaram de pontos da proposta.
“O que eu vi aqui está dentro
do ótimo. Mas passar a autonomia para os estados é acreditar em Papai
Noel. Vocês acham que o governo federal, o Ministério do Meio Ambiente,
o Conama e o próprio presidente vão simplesmente passar a autonomia?
Não se consegue isso”, questionou o deputado Cezar Silvestri (PPS/PR).
“Temos aqui que ter uma visão mais prática. Do jeito que está aí eu não
vejo a menor possibilidade de nós aprovarmos este ano. E se não
aprovarmos essa mudança este ano, ano que vem é ano eleitoral, daí mais
difícil de aprovar”, ponderou.
ProteçãoEntre
as mudanças propostas, os ruralistas pretendem alterar os conceitos
existentes na legislação ambiental brasileira. A primeira mudança é
suprimir das leis termos como reserva legal, área de proteção
permanente (APP), área de proteção ambiental (APA) e outros. A ideia é
adotar conceitos “mais abrangentes”. As áreas protegidas, a partir da
proposta, serão dividas em Matas Ciliares, Unidades de Conservação,
Áreas Frágeis e Reserva Ambiental.
As matas ciliares
permanecem sendo a vegetação ao longo dos cursos d’água, mas, diferente
do atual Código Florestal, não terão extensão definida por lei federal.
Cada curso hídrico terá delimitações diferentes de mata ciliar em
acordo com as características locais. “Se no meu rio, na minha
propriedade, cinco metros forem suficientes para proteger e para
preservar as funções do rio, cinco metros será definido. Mas se aquele
rio for de importância tal, com declividade ‘x’, em um solo específico
que exija 40 [metros] será 40”, explicou Samanta.
As Unidades de
Conservação terão maiores restrições para serem criadas. Pelo
pré-projeto, se após dois anos de criação (por meio de decreto
presidencial), a Unidade de Conservação não tiver sido regularizada, o
decreto perde vigor. Segundo Samanta, hoje no Brasil existem 130
milhões de hectares de terras de unidades criadas e menos de 10% com
regularização fundiária. “Se dois anos depois de criada a Unidade de
Conservação não houver nenhuma movimentação para expropriar aquele
proprietário ou de indenizá-lo, acabou o decreto. Colocaremos na lei um
prazo para regularização fundiária dessas áreas”, explica Samanta.
Reserva legalO
conceito de reserva legal desaparece com a nova proposta. Surgem as
áreas frágeis – que serão áreas ambientalmente protegidas, mas que sem
proibição de uso – e as reservas ambientais – áreas de proteção com
restrições de uso. A ideia é dispensar os proprietários rurais de
delimitarem em suas áreas a parte da vegetação que deve ser preservada
e permitir reservas em locais considerados “ambientalmente relevantes”.
“Muitas
vezes, uma propriedade não tem área ambientalmente relevante e outras
tem várias áreas que são relevantes ambientalmente. Nós estamos
ampliando o conceito de reserva legal, porque a unidade de planejamento
não será mais a propriedade”, disse Samanta. “Estamos chamando por
novos nomes por uma questão de mudança de paradigma. Não terão
porcentagens pré-definidas porque uma lei geral não pode ter a
pretensão de acertar a metragem nos estados num país desse tamanho”,
complementou.
De acordo com a proposta, será incluído na
legislação ambiental brasileira o conceito de “sociedade humana” como
parte do meio ambiente. “A impressão que dá hoje é que o homem não faz
parte do meio ambiente. Se nós protegermos como bem ambiental a
sociedade humana, e ela organizada tiver condições de evoluir, ela não
precisa pressionar o meio ambiente. Mas não existe altruísmo quando se
tem barriga vazia”, disse a assessora.
RemuneraçãoA
proposta ruralista também prevê a remuneração por serviços ambientais.
Proprietários de terra que deixarem parte de sua área como reserva
ambiental receberá dinheiro público por isso. A finalidade é compensar
o proprietário rural pela preservação do meio ambiente. “Se hoje é
muito mais lucrativo derrubar, não podemos ter a hipocrisia de dizer
que eu vou preservar porque a lei manda ou porque é bonito preservar.
Está na hora da gente parar de falar em projeto beneficiário e tentar
fazer com que a floresta em pé valia mais do que ela no chão”, defendeu
Samanta.
O projeto de lei para criar o Código Ambiental
Brasileiro deve ser apresentado em maio. As mudanças no atual Código
Florestal que têm sido estudadas pelo ministro Stephanes devem ser
incorporadas no futuro código. Entre elas, está a inclusão de áreas de
proteção permanentes (APPs) na contabilidade dos percentuais de reserva
legal. De acordo com as leis vigentes, o proprietário rural deve deixar
parte de sua terra sem desmatar (reserva legal). Os percentuais variam
de região para região, podendo chegar a 80% da propriedade na região
amazônica. A maioria dos proprietários rurais, no entanto, não cumprem
os percentuais determinados por lei.
(Por Renata Camargo,
Congresso Em Foco, 16/04/2009)