O desmatamento, as queimadas e outras formas de destruição do verde nacional avançam a passos largos no Brasil. Todo mundo sabe. Até hoje, todavia, não há números oficiais sobre o ritmo da degradação no restante do país, como ocorre na Amazônia desde 1988. Conforme o Ministério do Meio Ambiente, em até um ano o Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa, nesta ordem, terão seus próprios boletins anuais de perdas de vegetação. Dados já estarão disponíveis para o Cerrado, em setembro, e para a Caatinga, em novembro.
De acordo com o anúncio feito nesta quinta (16/04) pelo Ministério do Meio Ambiente, o trabalho está mais acelerado para o Cerrado graças ao acordo feito com a Universidade Federal de Goiás em setembro do ano passado. A iniciativa permitiu, por exemplo, levantar que o bioma perdeu 18.900 quilômetros quadrados entre 2003 e 2007, área semelhante a dezesseis cidades do Rio de Janeiro e ao que a Amazônia perdeu entre agosto de 2004 e agosto de 2005. Parcerias como essa estão sendo fechadas para as outras regiões.
Os dados levantados pela universidade e Ibama também permitiram identificar 2.200 hectares plantados com soja dentro do Parque Nacional Nascentes do Rio Parnaíba e estimar que o ritmo do desmatamento em uma porção de Cerrado monitorada no sudoeste da Bahia é três vezes mais rápido que o verificado na Amazônia. “Para muita gente, meio ambiente ainda é só Amazônia. O resto pode detonar”, comentou Donald Sawyer, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Números não-governamentais apontam que cerca de 20 mil quilômetros quadrados anuais eram desmatados em média no Cerrado até meados de 2002. De lá para cá, a pressão vem diminuindo devido às variações nos preços da soja e outras comodities, além da alta do dólar e dívidas contraídas pelo setor ruralista.
Sobre a importância do Cerrado, Sawyer lembra que trata-se de uma das áreas mais ricas do mundo em biodiversidade, em recursos genéticos cada vez mais valorizados e sobretudo em termos de água para o Brasil. No bioma nascem e ganham força grandes rios como São Francisco, Araguaia e Paraná. Suas águas abastecem culturas agrícolas, cidades e hidrelétricas. E sem floresta, perde-se água. “O desmatamento do Cerrado pode trazer falta de água para geração hidrelétrica e mudanças nos regimes de chuvas no Brasil central e regiões sul e sudeste, além de outros países, porque as árvores devolvem a água das chuvas ao ambiente na forma de vapor, assim como ocorre na Amazônia”, ressaltou.
Questionado se os cortes orçamentários informados ontem por O Eco não trarão prejuízos ao monitoramento por satélite dos biomas, Carlos Minc (Meio Ambiente) afirmou que o programa tem recursos próprios, ao mesmo tempo em que informou estar negociando com o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) mais R$ 80 milhões para investimentos em vigilância eletrônica e fiscalização. “Vamos conseguir 80 milhões de volta, por meio de acertos com o Paulo Bernardo”, disse. Além disso, mais informações sobre desmatamento elevarão a demanda por fiscalização em todo o país. “Obviamente precisamos de mais fiscais, mas o monitoramento potencializará a fiscalização. Ela será tele-guiada, incidindo nos alvos certos”, disse Minc.
Da utilidade das imagensAs imagens de satélite que revelarão o desmatamento ou recuperação dos outros biomas são do mesmo tipo usado para mostrar a degradação da Amazônia. Também enxergarão através das nuvens, permitindo medições mais precisas durante todo o ano. Essas informações permitirão ao governo e outras entidades não só agir contra o ataque dos machados e motosserras, mas também verificar com mais exatidão onde podem ser criados parques nacionais e outras áreas protegidas, estimar estoques de carbono e elaborar planos de desenvolvimento mais amigáveis do ponto de vista ambiental.
Sawyer, do ISPN, avalia que o monitoramento nacional é muito necessário, mas insuficiente para frear a devastação. Afinal, o Brasil acompanha de camarote o desmatamento na Amazônia há 21 anos. “O monitoramento é um primeiro passo para termos consciência do tamanho e das dinâmicas do problema. Depois, precisamos de políticas públicas que realmente contenham a degradação ambiental”, disse.
Um sistema de alerta sobre novos desmatamentos, semelhante ao da Amazônia, já está sendo avaliado, inicialmente para o Cerrado. Todos os dados poderão ser acessados livremente pela Internet. “A soma dos outros desmatamentos pode ser maior ou semelhante ao da Amazônia. É inadmissível que os outros biomas não sejam monitorados”, enfatizou Carlos Minc. Confira tabela abaixo com remanescentes de vegetação no país.
Outra utilidade do olhar eletrônico sobre as florestas nacionais tem viés climático. Desmatamento e queimadas incontroláveis posicionam o Brasil entre os quatro maiores emissores mundiais de gases que aquecem o planeta. No entanto, o plano nacional sobre mudanças do clima, cuja primeira versão foi lançada em dezembro passado, prevê cortes nas perdas de vegetação apenas para a Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente espera mudar isso já na primeira revisão do plano, no primeiro semestre de 2010, definindo metas para reduzir as perdas de matas no restante do país. “Outros biomas exigem o mesmo cuidado que a Amazônia, até porque alguns estão sendo detonados sem dó nem piedade e num ritmo mais acelerado do que na Amazônia”, comentou Minc.
Além disso, comentou Sawyer, professor da UnB, várias espécies do Cerrado são resistentes ao calor e às secas e são muito importantes para o futuro do país frente às mudanças climáticas, tanto quanto à manutenção da floresta úmida densa que sobrevive no norte do país. O rastreamento eletrônico da Caatinga, Pampa e outros biomas está nas mãos de 25 jovens técnicos contratados pelo Ibama. Os chamados “intérpretes” (de imagens de satélite) têm contratos de um ano que poderão ser estendidos por mais um, enquanto o governo deve realizar concursos para cargos permanentes.
(Por Aldem Bourscheit,
O Eco, 16/04/2009)