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tratado de itaipu hidrelétrica de itaipu
2009-04-15
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o secretário de Relações Internacionais do governo Fernando Lugo, Ricardo Canese, defende a agenda da soberania energética paraguaia e garante que a proposta do país para a questão engloba uma nova estruturação energética solidária para a América do Sul. "A recuperação da soberania hidroelétrica paraguaia não é apenas benéfica para o Paraguai, mas também para toda a região e para o Brasil", defende Canese que manifesta confiança em um acordo entre os dois países.

Engenheiro industrial e especialista em hidroeletricidade, atual secretário de Relações Internacionais do governo Fernando Lugo, Ricardo Canese foi figura essencial na campanha eleitoral que levou ao fim do reinado de 61 anos do Partido Colorado no Paraguai. Canese é tido como uma das pessoas mais bem preparadas para discutir com o Brasil a questão de Itaipu. Confira a entrevista:

As reparações que o Paraguai reivindica acerca de Itaipu são históricas. O senhor poderia resumir, em cifras, exatamente as perdas paraguaias durante estes anos e o que o país acredita ser um acordo justo hoje?
Ricardo Canese – As perdas ambientais e sociais foram imensas. O Salto de Guaira, uma das maravilhas do mundo – assim como as Cataratas do Yaguazú, que hoje atraem dois milhões de turistas por ano - deixou de existir para sempre. O rico ecossistema do rio Alto Paraná, caracterizado por uma forte corrente em um profundo canal, também deixou de existir nos 200 km onde o rio foi convertido em reservatório. A selva do Alto Paraná em território paraguaio, que se mantinha quase virgem até o início das obras, não existe mais e se perdeu grande parte da biodiversidade ali existente. Numerosas comunidades indígenas tiveram que migrar. Alguns indígenas “trabalham” ainda hoje no aterro de lixo de Hernandarias, a localidade paraguaia onde está Itaipu, reciclando o lixo em condições desumanas.
O maior dano foi o moral e o político. A construção de Itaipu fortaleceu a ditadura criminosa de Alfredo Stroessner e se forjou toda uma cultura de corrupção em alto nível. Os amigos do ditador ficaram imensamente ricos e se ampliaram as diferenças entre ricos e pobres. Hoje o Paraguai é o país da América do Sul com maior quantidade porcentual de pobres extremos. O tratado de Itaipu, imposto ao povo paraguaio pela ditadura militar brasileira, através de seu amigo o ditador Stroessner criou as condições para despojar o Paraguai de sua soberania hidroelétrica. A quanto chega todos estes danos? É difícil estimar, mas estamos a ponto de iniciar uma auditoria integral da dívida de Itaipu que cobriria todos estes aspectos.
Algo que podemos ver com muita mais claridade hoje é que outros países, como o Chile, oferecem pagar ao Paraguai até 20 vezes mais do que paga hoje o sistema elétrico brasileiro por exportar a energia elétrica de Itaipu (100 milhões de dólares ao ano). Nós, sem dúvida, vemos que a recuperação da soberania hidroelétrica paraguaia não é apenas benéfica para o Paraguai, mas também para toda a região e para o Brasil. Da eletricidade que se exporta na América do Sul, 85% tem origem paraguaia, mas aberrantemente não se permite ao Paraguai dispor com soberania de sua energia. Desta forma, impede-se a integração elétrica da região e assim o Brasil perdeu milhões pelo apagão de 2001 e a Argentina também, pela falta de eletricidade em 2007. Chile e Uruguai também tiveram perdas enormes. Todos poderíamos ter ganho, mas o modelo de retirar a soberania hidroelétrica do Paraguai impede um modelo de integração solidária, no qual todos ganhamos.

O presidente Fernando Lugo afirmou que o prazo para o acordo entre os países é de um ano, o senhor acredita que este tema será resolvido em 2009?
Ricardo Canese – Vamos fazer todo esforço para que se chegue a um acordo em 2009. Não posso assegurar que ele ocorra, porque as posturas ainda estão muito distantes. Apesar de que no Brasil cresceu a opinião de que o Paraguai deve recuperar sua soberania hidroelétrica, o Itamarati defende absurdamente o contrário, ou seja, que o Paraguai não tem soberania sobre sua própria energia. Para nós é esta a questão fundamental e, é certo, o Paraguai jamais vai renunciar a sua soberania, então se o Itamarati não rever sua postura, não haverá solução possível.
O mais estranho é que o Itamaratí defende que o Brasil é soberano sobre todos seus recursos naturais. Aqui há uma contradição difícil de entender, mais ainda se levarmos em conta critérios como a solidariedade dos povos e as assimetrias entre as nações.

Como o governo paraguaio vê a proposta brasileira de um pacote de ajuda (como a criação de um fundo de investimentos para projetos em ambos países) oferecida pelo governo federal?
Ricardo Canese – Vemos bem toda a proposta de ajuda, se ela não estiver atada a renunciar outras questões como Itaipu. Na reunião presidencial entre Lugo e Lula de 30 de janeiro de 2009, no marco do Fórum Social Mundial, ficou claro que a ajuda (créditos) oferecida pelo Brasil será tratada entre os ministérios da fazenda e fora da negociação de Itaipu, o que demonstra um bom gesto do presidente Lula, porque o Itamarati queria substituir as reivindicações paraguaias por créditos, na sua maior parte atados a comprar equipamentos ou contratar empresas brasileiras. Nenhum crédito, por mais conveniente que possa ser, pode substituir as reivindicações paraguaias de soberania hidroelétrica ou de preço justo. As ofertas de crédito serão tratadas como tal, fora da mesa de negociação de Itaipu, e serão aprovadas se forem convenientes para o Paraguai.

Recentemente, o ministro brasileiro Edison Lobão afirmou que o Paraguai só teria entrado com a água de Itaipu. Quais são os investimentos paraguaios em Itaipu que senhor enumeraria como importantes?
Ricardo Canese – É uma pena que certos funcionários do Brasil, como o ministro Lobão, ainda pensem como as funcionários da ditadura militar brasileira que assinaram tal frase (“o Paraguai só coloca a água”). É o mesmo que diz um capitalista explorador de proletários para justificar o salário de fome: o trabalhador só coloca sua mão de obra, eu coloco o capital e então tenho direito a mais valia de seu trabalho. Em termos energéticos, a energia hidroelétrica é muito mais valiosa que o petróleo.
Sobre os hidrocarbonetos, não há ninguém que se atreva a sustentar, na Arábia Saudita ou na Venezuela, por exemplo, que “só colocaram o petróleo e não podem exigir nada”. O que vale é a reserva de petróleo e não o capital. O mesmo acontece em Itaipu. O que vale é a energia hidroelétrica do limítrofe rio Paraná, o que vale é Itaipu, que é a única hidroelétrica do mundo que pode gerar mais de 90 milhões de MWh por ano. É triste, por ele, escutar um porta voz do governo brasileiro dizer semelhante despropósito. E mais. Se o Brasil nos dissesse hoje: bueno, que o Paraguai entre com 50% do capital e concedemos imediatamente a soberania hidroelétrica, sem dúvida que o Paraguai se colocaria a conseguir tal capital e dispor da energia que lhe é própria e cuja soberania está fora de discussão, mas lastimosamente até agora nos impediram de fazer uso da mesma.

(Por Clarissa Pont, Carta Maior, 13/04/2009)

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