Jornais alemães denunciam: Dumping trabalhista, metais pesados e ameaças a pescadores, a mega obra da Thyssen-Krupp e da Vale próxima ao Rio de Janeiro gera tensão no Brasil
Porto Alegre - Era a hora do pescador. Em uma audiência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados do Estado do Rio de Janeiro em meados de março foram levantadas sérias acusações contra o consórcio empresarial Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), formado pela Vale do Rio Doce e pela empresa alemã Thyssen-Krupp, que detém 90%. “A atuação de milícias em forma de empresa de segurança é um fato“, disse Marcos Garcia, pescador na Baía de Sepetiba, a oeste da capital Rio de Janeiro, onde até o final do ano devem ser concluídas as obras da maior siderúrgica da América Latina. “Eles ameaçam nossas vidas, para a Thyssen nós somos irrelevantes.”
Seu colega Luís Carlos da Silva começou a receber ameaças dos seguranças da companhia e foi obrigado a deixar sua casa, sua família e se refugiar. Os representantes da companhia se mostraram surpresos com as acusações, mas reconheceram as fotos dos acusados como pessoal da segurança. Como as explicações não foram convincentes, pescadores e organizações aliadas começaram a chamar a atenção para o caso de Silva – sem muito sucesso. Uma maior publicidade sobre o conflito veio no início de março, depois de um anúncio feito pelo consórcio em jornais nacionais.
Até então as informações sobre a infração aos direitos humanos na Baía de Sepetiba circulavam somente nos bastidores. Longe das vistas da cúpula de países da América Latina e União Europeia, em maio do ano passado a Thyssen-Krupp e a Vale foram condenadas por um tribunal simbólico de ativistas em Lima (Tribunal Popular dos Povos) – por causa da destruição de manguezais, poluição da baía com metais pesados e ameaça à vida de 8 mil famílias de pequenos pescadores. Na justiça brasileira, muitos processos já foram abertos.
E a lista de transgressões é ainda maior. A concessão da licença ambiental é irregular e, segundo denunciou a economista Sandra Quintela à Comissão de Direitos Humanos, as autoridades locais foram compradas pela companhia. O trabalho de imigrantes nordestinos e também vindos da China foi considerado dumping trabalhista. Para assegurar o maior investimento estrangeiro dos últimos dez anos, o governo brasileiro estendeu o tapete vermelho para a Thyssen-Krupp e fez vista grossa para os protestos dos sindicatos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apoiou com uma vantajosa carta de crédito de 500 milhões de euros, o governo estadual do Rio de Janeiro garantiu generosos incentivos fiscais.
Nas instalações de nove quilômetros quadrados localizadas 100 km a oeste do Rio de Janeiro surgiu um complexo siderúrgico com coqueria, porto, termelétrica, fornalhas e fundição. Toda a produção de cinco milhões de toneladas de chapas de aço por ano será exportada para a sede da Thyssen-Krupp, na Alemanha, e para a nova unidade nos Estados Unidos.
O Brasil detém a maior reserva de minério do mundo, com mão-de-obra barata, mas não participa do processo de beneficiamento. Críticos de esquerda veem nisso a prova de que seu país tem um papel quase colonial. “Para nós ficam os custos ambientais e sociais”, diz Sandra Quintela.
Reestruturação
Mas o alarme já tocou no comando central do grupo. Em 2004 foram destinados para a unidade no Brasil cerca de 1,3 bilhões de euros, e atualmente os custos já giram em torno de 4,5 bilhões de euros, sendo que a primeira chapa de aço só será entregue em dezembro. De uma hora para outra, o discurso passou a tratar de falhas na administração, e já veio a primeira conseqüência: em Düsseldorf foi demitido o diretor responsável pelo departamento de siderurgia, Karl-Ulrich Köhler.
O conselho administrativo da Thyssen-Krupp deu carta branca para a maior reforma no comando central do grupo desde a fusão da Thyssen com a Krupp nos anos 1990. O chefe do grupo Ekkehard Schulz disse em Düsseldorf que a nova ordem deve melhorar a capacidade econômica da companhia em médio e longo prazo e acelerar a tomada de decisões.
Até o momento, as cinco partes que compõem o grupo – aço, inoxidáveis, elevadores, tecnologia e serviços – devem ser centralizados em apenas duas, no contexto da nova ordem. Mais de mil postos de trabalho no departamento administrativo serão fechados.
O chefe da companhia, Schulz, admitiu seus próprios erros. “Eu também cometi falhas”, disse ele, que tem 67 anos. Como exemplo ele falou da explosão de custos da siderúrgica no Brasil. “Talvez devêssemos ter intervindo mais cedo”. Sobre os excessos no orçamento, ele também assumiu a responsabilidade. A Thyssen-Krupp estima os custos da siderúrgica em 4,5 bilhões de euros, quando o plano inicial era gastar 3 bilhões de euros. Mesmo assim, Schulz não acredita em um novo aumento nos custos.
(Versão português por Francis França, Ambiente JÁ, com informações do Die Tageszeitung e Die Welt, 15/04/2009)