Análise de custo/benefício do asfaltamento da BR-319 mostra que saldo negativo mínimo é R$ 315 milhões em 25 anos. Se custo do carbono emitido for computado, obra do PAC fica deficitária em R$ 2,2 bi; desmatamento equivale a 1 Estado do Rio em 30 anosDe qualquer ângulo que se contemple, a recuperação da rodovia BR-319 -a Manaus-Porto Velho, uma obra do PAC- é mau negócio. A conclusão está em um novo estudo de custo/benefício, o segundo a condenar a estrada, que prevê prejuízo mínimo de R$ 315 milhões nos próximos 25 anos. Na pior hipótese, o saldo negativo chegaria a R$ 2,2 bilhões. A análise independente da obra de interesse do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR-AM), leva a assinatura da organização não-governamental Conservação Estratégica. Trata-se do braço brasileiro da americana Conservation Strategy Fund (CSF), especializada em estudos de racionalidade econômica de projetos que afetem o ambiente.
A BR-319 corta uma área de floresta amazônica muito preservada e tida como de alto valor em biodiversidade. Por causa da alta pluviosidade, tem baixo potencial para agropecuária. A pavimentação de rodovias na Amazônia, contudo, atrai migrantes e assentamentos rurais -e também grilagem de terras, extração predatória da madeira, pecuária e desmatamento.
A avaliação anterior, que apontava prejuízo ainda maior (R$ 10,5 bilhões em 20 anos), consta do estudo de impacto ambiental que será objeto neste mês de audiências públicas. O primeiro estudo foi feito pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e conclui que a intervenção do Estado poderia reduzir em 95% o desmatamento induzido pela estrada.
O projeto orçado em R$ 557 milhões consiste na repavimentação de um trecho de 405 km no Estado do Amazonas e na construção de quatro pontes. Aberta pelo Exército em 1973, a rodovia só é transitável hoje perto de Manaus e Porto Velho. A parte central encontra-se abandonada desde 1986. "A BR-319 é a única ligação rodoviária entre os Estados do Amazonas e de Roraima rumo ao Centro-Sul do país", justifica o Ministério dos Transportes, por sua assessoria de imprensa. "Essa rodovia é parte de importante corredor de transporte sul-americano, que conecta o Brasil aos portos do Pacífico."
O relatório ainda inédito da CSF, intitulado "Eficiência Econômica, Riscos e Custos Ambientais da Reconstrução da Rodovia BR-319", afirma que não existe estudo oficial demonstrando que os benefícios da obra compensarão seus custos, como seria obrigatório em projetos de grande porte. A análise prévia de viabilidade econômica, nesses casos, deve ser submetida à Comissão de Monitoramento e Avaliação do Plano Plurianual (CMA).
Obras do PAC, porém, estão fora da alçada da CMA. O Ministério dos Transportes alega que a exigência de estudo de viabilidade se aplica só a novas rodovias e que a BR-319 não se enquadra nela por ter sido construída na década de 1970. No primeiro cenário montado pela CSF entrou só a análise econômica convencional de projetos de infraestrutura. Nessa ponderação, coteja-se o investimento no projeto com os benefícios esperados, como a economia de tempo por produtores e passageiros e de dinheiro com fretes e passagens. O estudo segue metodologia sugerida pelo Banco Mundial.
Estima-se, por exemplo, que quase 50 mil pessoas optariam por fazer de ônibus viagens entre Porto Velho ou Rio Branco e Manaus, e não de avião. A diferença poupada nas tarifas vai computada como benefício. Cálculo similar é realizado para cargas. De acordo com a CSF, o transporte fluvial permaneceria 66% mais barato que o uso de caminhões na BR-319 pavimentada, ainda que neste caso o tempo de trajeto ficasse reduzido em 44%.
Trinta e três centavosFeitas as contas, o saldo do empreendimento seria negativo em R$ 315 milhões. Só 33 centavos de benefícios decorreriam de cada real investido. O segundo cenário, que inclui custos ambientais, é ainda mais desfavorável à obra. O relatório serviu-se de projeções anteriores do grupo de Britaldo Soares-Filho na Universidade Federal de Minas Gerais, para estimar o desmatamento induzido pela BR-319 recuperada: 4 milhões de hectares até o ano 2030 (ou 40 mil km22, quase o território do Rio de Janeiro), ou 210 mil hectares/ano.
Cada hectare de floresta estoca cerca de 150 toneladas de carbono, que em caso de desmatamento termina na atmosfera e contribui para agravar o efeito estufa. O passo seguinte foi calcular o valor desse estoque, em créditos de carbono, para computá-lo como prejuízo -uma vez que sua destruição impediria a comercialização de títulos correspondentes no mercado internacional. Saldo: até R$ 2,2 bilhões de perda.
(Por Marcelo Leite,
Folha de S. Paulo, 15/04/2009)