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mst grilagem de terra
2009-04-14
A coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará, Maria Raimundo, afirma que as terras que o movimento ocupa no estado já viraram pastagens, incluindo as três fazendas da Agropecuária Santa Bárbara, ligada ao banqueiro Daniel Dantas. Em muitos casos as áreas desmatadas ultrapassam 80%.

Segundo ela, a obrigatoriedade de Reserva Legal na Amazônia só funciona para os trabalhadores. "[a intenção dos] latifundiários, dos fazendeiros e das empresas, quando se apropriam de uma terra, quando grilam uma terra, não é a produção e nem a preservação da natureza, é a apropriação da terra para criar gado", explica.

Em entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, ela conta sua insatisfação com a mídia, que tenta criminalizar o movimento dos trabalhadores, e comenta as críticas feitas pelos ruralistas na região, que afirmam que no estado existe terras suficientes para reforma agrária, sendo desnecessária a ocupação de propriedades privadas.

Confira abaixo a entrevista:

Amazonia.org.br - Há quanto tempo vocês ocupam as fazendas no Pará?
Maria Raimundo - São várias. Tem umas que estão ocupadas há quatro anos, outras há três, dois, e outras há um mês.

E quem participa das ocupações? São famílias ou pessoas selecionadas para ocupar a terra?
Raimundo - A dinâmica de organização do MST para ocupação de terras são as famílias: homens, mulheres e crianças. Até porque a maioria dessas pessoas vive em condições de muita pobreza, miséria e falta de moradia e trabalho. Quando vão para a ocupação, elas levam tudo o que têm, porque é a perspectiva de construir a vida. Elas já começam a construção da sua vida, do trabalho, da moradia e da produção de alimento.

E como é garantido o alimento? Recebem algum tipo de ajuda ou vocês mesmo produzem?
Raimundo - Nos primeiros meses da ocupação as famílias começam já a organizar a terra e discutem uma área coletiva para começarem a plantar. Mesmo com áreas em conflitos, já começam a plantar verduras e alguns legumes.

O Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária) através da ouvidoria agrária, faz um repasse de uma cestas básicas. Mas, às vezes demora três, quatro meses entre uma cesta e outra. Em geral, a complementação da alimentação, o enriquecimento alimentar é feito com a produção dos próprios trabalhadores.

O Governo do Pará concedeu o direito de reintegração de posse para as fazendas ligadas ao banco Oportunity, do banqueiro Daniel Dantas. Pretendem sair dessas terras?
Raimundo - Nós não pretendemos, não vamos sair das terras ocupadas. Primeiro, que essas fazendas ocupadas, são três do Daniel Dantas e da empresa Santa Bárbara, são áreas de terras de títulos de aforamento (contratos em que o Estado cede o domínio útil e fica com o domínio direto e no acordo as áreas deveriam permanecer como castanhais), são do estado e eles estão usando indevidamente. Estão se apropriando indevidamente dessas terras.

E porque escolheram fazendas ligadas à Dantas?
Raimundo - Não é porque escolhemos. Somos um movimento de luta pelas terras e a definição das terras ocupadas faz parte desse conjunto. Elas têm algumas características como trabalho escravo, crime ambiental e áreas públicas que foram griladas e apropriadas indevidamente por fazendeiros e empresários. Essas terras precisam retornar e ser distribuída para os trabalhadores.

Não é porque são do Daniel Dantas. Agora, o Dantas, quando compra suas fazendas aqui no estado do Pará, o banco Oportunity sendo uma empresa, não tem a pretensão de cultivar. Isso demonstra a forma como a apropriação da terra está sendo utilizada para fins de lavagem de dinheiro, corrupção e especulação financeira. A gente precisa fazer essas denúncias também, a terra precisa estar na mão dos fazendeiros, porque são terras do Estado e temos a tarefa, como povo brasileiro, de fazer as denúncias.

Mas essas fazendas já viraram pastos. Como pretendem se organizar para produzirem dentro delas?
Raimundo - O desmatamento chega a quase 80% de toda a área. A maioria das fazendas ocupadas no estado do Pará, além dessas três do Daniel Dantas, tem pelo menos 80% só de pastagem. Os trabalhadores já entram em uma posição desfavorável em relação à floresta, à mata e à biodiversidade. Mas a gente sempre constrói a perspectiva de recuperação da terra e do reflorestamento onde os trabalhadores possam, a partir de uma agricultura camponesa, da agroecologia e não usando veneno, fazer com que o solo se recupere e volte a ter as características para produzir alimentos.

A Reserva Legal de 80% do território é obrigatória para as propriedades dentro da Amazônia Legal, e ainda assim vocês encontram tudo devastados?
Raimundo - A legislação de Reserva Legal funciona para os trabalhadores. Os latifundiários, os fazendeiros e as empresas, a intenção deles quando se apropriam de uma terra, quando grilam uma terra não é a produção e nem a preservação da natureza, é a apropriação da terra para criar gado, para exportação e a perspectiva deles é de aumentar os seus lucros e as suas rendas. Não tem nenhuma preocupação em preservar a natureza e nem a biodiversidade.

Diariamente são publicadas notícias sobre o Movimento dos Sem Terra. Quantas dessas informações divulgadas pela imprensa vocês podem dizer que são verdadeiras?

Raimundo - Olha, a imprensa tem um posicionamento de defender uma ideologia, que perpassa todo um projeto político de uma classe, que é a classe burguesa que vai se fortalecendo e criminaliza o movimento sem terra. Então a imprensa, na maioria das vezes, tem tido a tendência de ajudar no processo de criminalização.

Ela se recusa a mostrar aquilo que nos produzimos, aquilo que nós somos, que construímos e a dinâmica e a forma da luta que temos feito nesse processo de democratização da terra no país. Toda a história dos trabalhadores é mais uma vez negada! A história do movimento sem terra, assim como a história de outros movimentos, que tanto lutaram para livrar esse país da pobreza, da miséria e desses processos de desigualdade. O que aparece é a história de quem está no poder.

E vocês foram alguma vez convidados a responderem às acusações?
Raimundo - A imprensa sempre nos procura pra falar, mas geralmente as informações, as edições, são sempre distorcidas daquilo que a gente fala. Há um recorte intencional, que você sabe que são feitos. A gente fala, mas as pessoas colocam aquilo que a gente não falou ou fazem um recorte numa fala e prejudica os trabalhadores, nos colocam sempre como violentos.

Foi divulgado, no dia 31 de março, que 12 pessoas do MST foram presas por porte ilegal de armas e assaltos na rodovia. Estão acompanhando o caso?
Raimundo - Eles continuam presos por porte ilegal de arma. A própria imprensa mostrou a foto, parecia um arsenal muito bem montado, porque até a disposição das armas ficaram dando esse aspecto de que era um arsenal produzido pra construir a violência no estado. Mas, aqui na Amazônia, para o camponês, aquilo são instrumentos de trabalho. O facão, a foice, a espingarda são instrumentos de trabalho na Amazônia.

A própria polícia fez a investigação e não teve nenhum assalto na região cometido por esses trabalhadores. Eles estavam em uma ação de vigília de segurança dentro de uma área nossa, que estava sendo ameaçada por pessoas contratadas pelos gerentes da fazenda para expulsar os trabalhadores. Eles foram lá velar e é a dinâmica da luta pela terra. Eles foram e estavam preparados, como o trabalhador que sempre vai pra mata. O trabalhador não entra em uma roça sem o facão pra tirar o mato da frente, pra tirar o capim, senão a gente sai todo cortado.

E eles continuam presos, mesmo a própria polícia já tendo investigado e ter clareza que eles não cometeram nenhum assalto na região.

Essas ameaças, feitas por seguranças particulares, é uma constante?
Raimundo - A imagem do pistoleiro mudou. Antes era a pessoa rude e grosseira, preparada para matar à traiçoeira, nas emboscadas. Hoje eles usam as ditas 'seguranças privadas', que fazem essa milícia. Na verdade é a construção de milícias armadas, que usam fardas e estão com carro e viatura e que ficam ameaçando os trabalhadores. Existem ameaças em todas as fazendas, inclusive as do Daniel Dantas que estamos ocupando, as três áreas, estão com mais de 150 homens armados. Eles ficam lá, mas para a imprensa e para todo mundo eles são vistos como seguranças.

E como vocês ficam dentro de uma fazenda com 150 segurança?
Raimundo - Eles (os seguranças) ficam colocados na fazenda em postos de segurança, próximo a sede e as entradas. Nós sempre procuramos ficar nos nossos acampamentos, porque lutamos pela terra, estamos reivindicando a desapropriação da terra. Organizamos as famílias para ficarem em vigília permanente, porque não dá pra todo mundo ficar dormindo, já que pode ser feito um ataque a qualquer momento. Os seguranças também, ele têm os turnos deles, fazem a segurança deles de manhã, tarde e noite. E nós organizamos nossas famílias da melhor forma para garantir a segurança para os trabalhadores.

Aconteceu em Marabá (PA) uma reunião da bancada ruralista, que pedia o fim das invasões de terras. Eles alegaram que existe mais de 14,5 milhões de hectares no estado para assentar famílias, o que elimina a necessidade de invadir propriedades privadas. Gostaria de saber a opinião de vocês.
Raimundo - Pra começo de conversa: as terras que estão dizendo que são propriedades privadas não são deles, são griladas da União. Foram terras roubadas e terras onde existem práticas de trabalhos escravos e crimes ambientais comprovados. Pagar multas não resolve com tantas famílias pobres, desempregadas e sem moradia no país, ainda mais com esse processo de crise que aumenta o desemprego. A reforma agrária é a única saída, as terras precisam sair da mão de pistoleiro, sair da mão de assassinos e vir pra mão de trabalhadores.

E não são terras privadas. As terras que esses fazendeiros, inclusive esses que estavam reunidos aqui em Marabá, estão chamando de propriedade privadas deles, e que não precisam ser ocupadas, foram terras roubadas, griladas, muitas inclusive com cemitérios de trabalhadores. Eles roubaram do povo, tiraram, assassinaram, é a história de assassinato para enriquecimento. E assim construíram grandes latifúndios com 10 mil hectares, 20 mil hectares. Tem fazendeiros aqui com mais de 100 mil hectares de terras. Vão se apropriando e destroem a biodiversidade e constroem pastagem.

Claro que existem muitas terras, muita terra dá para ser distribuída nesse processo de reforma agrária, só que a maioria já está na mão dos fazendeiros. Então não tem mais pra onde a gente dizer que o que já foi feito é suficiente, não é. Nós do MST temos mais de 130 mil famílias acampadas esperando a desapropriação de terras. E a maioria dos casos é bastante complicada e demorada.

Os organizadores desse evento em Marabá disseram que convidaram vocês para participarem da reunião. Por que decidiram não participar?
Raimundo - Convidaram, mas não o movimento do MST. Eles foram às áreas chamar as famílias acampadas. Isso é uma forma de minar os acampamentos! São políticos tentando enganar o povo. Consideramos que isso não passa de uma grande farsa, é uma palhaça o que fizeram. Eles têm o direito de sentar, de se reunir e de se organizar, mas é uma organização pra lesar mais uma vez o Tesouro Nacional e as terras que são públicas.

O povo deveria se indignar, porque eles vão construindo um imaginário e um discurso de que essas terras são deles quando na verdade são todas ocupadas. Aqui no Estado do Pará estão dentro desses critérios de trabalho escravo e crime ambiental. Terras públicas que estão sendo griladas.

Por conta do não cumprimento das liminares de reintegração de posse, os proprietários e ruralista afirmam que a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, estaria compactuando com vocês. Qual é o diálogo que vocês possuem com o governo do Estado?
Raimundo - Somos um movimento social e enquanto movimento social nós lutamos pela desapropriação dessas terras e pelas condições dos trabalhadores se materem nas terras tendo educação, saúde, cultura, crédito e habitação. São políticas públicas e pela própria natureza da construção e de assentamento de reforma agrária, que são assentamentos públicos ou do Estado ou do governo federal, a terra não passa a ser da família, mas sim uma terra publica. Então há uma responsabilidade do poder público com esses assentamentos e com os acampamentos. Há responsabilidade pelas famílias, pelo povo que está ali, pelas condições de vida, de moradia e as pelas situações de violência. Isso não pode ser de responsabilidade só dos trabalhadores, tem que ser responsabilidade também do poder público. Logo, todas essas necessidades fazem com que o movimento dos sem terras, e todos os movimentos sociais do campo, não só o MST, tenham que dialogar com os governos Federal e Estadual.

O nosso diálogo é de apresentação das demandas dos trabalhadores, do que é preciso ser feito e como a gente vai construir. Sempre procuramos o diálogo, independentemente de partido que ele faça parte, independentemente se é homem ou mulher, nós apresentamos a demanda dos trabalhadores do que é necessidade para construir e implementar políticas públicas nas áreas de reforma agrária.

Em abril geralmente é realizado o Abril Vermelho. Devemos esperar mais ações do MST?
Raimundo - A forma como as ocupações são realizadas, as ameaças que sofremos por fazendeiros, a ação da presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, da qual a senadora Kátia Abreu é a presidente) que vem aqui no estado do Pará e reúne os fazendeiros que ficam incitando assassinato de liderança e que sejam feitos despejos na marra... Essas provocações da burguesia contra os trabalhadores fazem com que estejamos preparados permanentemente para fazer ações para defender os trabalhadores e garantir as nossas conquistas.

No estado do Pará, existe toda essa reação da direita da criminalização. Nós estamos organizando lutas, os trabalhadores estão em vigília permanente pra se defender desses ataques, precisamos ficar em alertas, dormir só com um olho, descansa um olho e depois o outro. É a forma como temos vivido aqui. As ameaças são constantes e isso é uma ação de violência contra os trabalhadores, nesse caso, a pressão psicológica, a forma como as milícias armadas tem agido, as formas como as lideranças têm sido abordadas, os telefonemas de ameaças que aumentam, as falas, as manifestações públicas da bancada ruralista em relação aos trabalhadores e do poder judiciários...

É preciso que a sociedade brasileira, que os governantes, as autoridades e o próprio povo fiquem em alerta para construirmos um país onde as desigualdades sociais sejam eliminadas. As desigualdades que precisam ser eliminadas, e não o povo.

(Por Aldrey Riechel, Amazonia.org, 13/04/2009)

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