Pesquisadora francesa sobre o poder da maior multinacional de sementes: corrupção de governos, produção de armas químicas, controle de alimentos em nível global
Em entrevista jornal argentino Página 12, a escritora e documentarista francesa, Marie-Monique Robin apresenta seu novo livro, fruto de três anos de profundas investigações sobre o poder de influência da multinacional sobre Governos e o projeto de controle total da produção de alimentos em nível global. Corrupção, produção de armas químicas e controle sobre do que você come são algumas das denuncias feitas pela francesa.
Como define a Monsanto?
Marie-Monique Robin - Monsanto é uma empresa deliquente. E digo porque há provas concretas disso. Foi muitas vezes condenada por suas atividades industriais, por exemplo o caso dos PCB, produto que agora está proibido, mas que segue contaminando o planeta. Durante 50 anos o PCB esteve nos transformadores de energia. E a Monsanto, que foi condenada por isso, sabia que eram produtos muito tóxicos, mas escondeu informação e nunca disse nada. E é a mesma história com outros dois herbicidas produzidos por Monsanto, que formaram o coquetel chamado “agente laranja” utilizado na guerra do Vietnã, e também sabia que era muito tóxico e fez o mesmo. E mais, manipulou estudos para esconder a relação entre as dioxinas e o câncer. É uma prática recorrente na Monsanto. Muitos dizem que isto é o passado, mas não é assim, é uma forma de obter lucros que ainda hoje está vigente. A empresa nunca aceitou seu passado nem aceitou responsabilidades. Sempre tratou de negar tudo. É uma linha de conduta, e hoje acontece o mesmo com os transgênicos e o Roundup.
Quais são as práticas comuns da Monsanto na ordem global?
Robin - Tem práticas comuns em todos os países onde atua. Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso, também mente e falsifica estudos sobre seus produtos. Outra particularidade que se repete na Monsanto é que cada vez que cientistas independentes tratam de fazer seu trabalho a fundo com os transgênicos, têm pressões ou perdem seus trabalhos. Isso também acontece nos organismos dos Estados Unidos como são a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) ou EPA (Agência de Proteção Ambiental). Monsanto também é sinônimo de corrupção. Dois exemplos claros e provados são a tentativa de suborno no Canadá, que originou uma sessão especial do Senado canadense, quando se tratava a aprovação do hormônio de crescimento leiteiro. E o outro caso é na Indonésia, onde a Monsanto foi condenada porque corrompeu cem altos funcionários para por no mercado seu algodão transgênico. Não duvidamos que exista mais casos de corrupção onde a Monsanto é quem corrompe.
Você também afirma que a modalidade de “portas giratórias” é uma prática habitual.
Robin - Sem dúvida. Na história da Monsanto sempre está presente o que nos Estados Unidos se chama “a porta giratória”. Um exemplo claro: o texto de regulamentação que regula os transgênicos nos Estados Unidos foi publicado em 1992 pela FDA, a agência norteamericana encarregada da seguridade de alimentos e medicamentos. A qual se supõe é muito séria, ao menos sempre eu pensava isso, até antes deste trabalho. Quando diziam que um produto havia sido aprovado pela FDA pensava que era seguro. Agora sei que não é assim. No '92, o texto da FDA foi redigido por Michael Taylor, advogado da Monsanto que ingressou na FDA para fazer esse texto e logo foi vice-presidente da Monsanto. Um exemplo muito claro de “porta giratória”. Há muitos exemplos, em todo o mundo.
Monsanto fabricou o agente laranja, PCB e glifosato. E tem condenações por publicidade enganosa. Por que tem tão boa reputação?
Robin - Por falta de trabalho sério dos jornalistas e a cumplicidade dos políticos. Em todo o mundo é igual.
Por que a Monsanto não fala? Tentou chamá-los?
Robin - Sim, mas não aceitaram perguntas. Também é o mesmo em todo o mundo. Ante qualquer jornalista crítico, a Monsanto tem uma só política: “Não comentes” (sem comentários).
O que significa a Monsanto no mercado mundial de alimentos?
Robin - A meta da Monsanto é controlar a cadeia alimentar. Os transgênicos são um meio para essa meta. E as patentes uma forma de conseguí-lo. A primeira etapa da “revolução verde” já ficou para trás, foi a de plantas de alto rendimento com utilização de pesticidas e a contaminação ambiental. Agora estamos na segunda etapa dessa “revolução”, onde a chave é fazer valer as patentes sobre os alimentos. Isto não tem nada a ver com a idéia de alimentar ao mundo, como se publicou em seu momento. A única finalidade é aumentar os lucros das grandes corporações. Monsanto ganha em tudo. Ela vende o pacote tecnológico completo, sementes patenteadas e o herbicida obrigatório para essa semente. Monsanto te faz firmar um contrato pelo qual te proíbe conservar sementes e te obriga a comprar Roundup, não se pode utilizar um glifosato genérico. Neste modelo Monsanto ganha em tudo, e é tudo ao contrário da segurança alimentar. De passagem, recordemos, que a soja transgênica que se cultiva aqui não é para alimentar aos argentinos, é para alimentar aos porcos europeus. E o que acontecerá na Argentina quando as carnes da Europa terem que ser etiquetadas dizendo que foram alimentadas com soja transgênica? Se deixará de comprar carnes desse tipo e a Argentina também receberá o golpe, porque lhe abaixará a demanda de soja.
Esteve na Argentina, Brasil e Paraguai. Que particularidades encontrou na região?
Robin - Deve-se recordar que a Monsanto entrou aqui graças ao governo de Carlos Menem, que permitiu que a soja transgênica entrasse sem nenhum estudo. Foi o primeiro país da América Latina. Depois da Argentina organizou-se um contrabando de sementes transgênicas, de grandes produtores, para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las porque eram cultivos que depois se exportavam. E depois veio a Monsanto a reclamar suas regalias. Foi incrível como se expandiu a soja transgênica na região, e em tão poucos anos. É um caso único no mundo.
Na década de 90 a Argentina era denominada como aluno modelo do FMI. Hoje, com 17 milhões de hectares com soja transgênica e a utilização de 168 milhões de litros só de glifosato, pode-se dizer que a Argentina é um aluno modelo dos agronegócios?
Robin - Sim, claro. A Argentina adotou o modelo Monsanto em tempo recorde, é um caso pragmático. Mas também houve alguns problemas com o aluno modelo. Como as sementes transgênicas são patenteadas, Monsanto tem o direito de propriedade intelectual. Isso significa, como o vi no Canadá e Estados Unidos, que lhes fazem firmar aos produtores um contrato nos quais se comprometem a não conservar parte de suas colheitas para ressemear no próximo ano, o que fazem os agricultores de todo o mundo. A Monsanto o denuncia como uma violação de sua patente. Então a Monsanto envia a “polícia de genes”, que é algo incrível, detetives privados que entram nos campos, tomam amostras, verificam se é transgênico e se o agricultor tem comprado suas sementes. Se não as tem comprado, realizam juízos e a Monsanto ganha. É parte de uma estratégia global: a Monsanto controla a maioria das empresas sementeiras e patenteia as sementes, exigindo que cada campesino compre suas sementes. O que aconteceu aqui é que a lei argentina não proíbe guardar sementes de uma colheita e utilizá-las na próxima semeadura. Em um primeiro momento a Monsanto disse que não iria pedir regalias, e deu sementes baratas e Roundup barato. Mas em 2005 começou a pedir regalias, rompeu o acordo inicial e por isso mantém um enfrentamento judicial com seu aluno preferido.
O Roundup tem um papel protagonista neste modelo. Muitas comunidades campesinas e indígenas denunciam seus efeitos, mas existem poucas proibições.
Robin - É um impacto incrivelmente silenciado. Ninguém pode negar o que trazem as pulverizações com este herbicida, totalmente nocivo. Tenho a segurança de que será proibido em algum momento, como foi o PCB, estou segura de que chegará este momento. De fato na Dinamarca já foi proibido por sua alta toxicidade. É urgente analisar o perigo dos agroquímicos e os OGM (Organismos Geneticamente Modificados).
Contudo, as grandes empresas do setor prometem há décadas que com transgênicos e agrotóxicos se conseguirá aumentar a produção, e assim acabar com a fome do mundo.
Robin - A Argentina é o melhor exemplo dessa mentira. Como tem ido com a sojização do país? Tem se perdido na produção de outros alimentos básicos e ainda há fome. Este modelo é o modelo do monocultivo, que acaba com outros cultivos vitais. É uma transformação muito profunda da agricultura, que leva diretamente à perda da soberania alimentar, e lamentavelmente já não depende de um governo para poder revertê-lo.
Por que ao processo agrário atual você o chama “a ditadura da soja”?
Robin - É uma ditadura no sentido de um poder totalitário, que abrange tudo. Deve-se ter claro que quem controla as sementes controla a comida e controla a vida. Nesse sentido, a Monsanto tem um poder totalitário. É tão claro que até a Syngenta, outra grande empresa do setor e competidora da Monsanto, chamou ao Brasil, Paraguai e Argentina “as repúblicas unidas da soja”. Estamos frente a um programa político com finalidades muito claras. Uma pergunta simples o demonstra: quem decide o que se vai cultivar na Argentina? Não o decide nem o governo nem os produtores, o decide a Monsanto. A multinacional decide o que se semeará, sem importar aos governos, o decide a empresa. E, para pior, a segunda onda de transgênicos vai ser muito forte, com um modelo de agrocombustíveis que acarretará mais monocultivos. E, a esta altura, já está claro que o monocultivo é perda de biodiversidade e é todo contrário à segurança alimentar. Já não há dúvidas de que o monocultivo, seja o da soja ou para biodiesel, é o caminho para a fome.
Qual é o papel da ciência no modelo de agronegócios, onde a Monsanto é só sua cara mais famosa?
Robin - Antes pensava que quando um estudo era publicado em uma prestigiosa revista científica, se tratava de um trabalho sério. Mas não. As condições em que se publicam alguns estudos são tristes, com empresas como Monsanto pressionando aos diretores das revistas. No tema transgênico fica muito claro que é quase impossível realizar estudos do tema. Em muitas partes do mundo, os Estados Unidos ou a Argentina, os laboratórios de investigações são pagos por grandes empresas. E quando o tema é sementes, transgênicos ou agroquímicos, a Monsanto sempre está presente e sempre condiciona as investigações.
Os cientistas tem temor ou são cúmplices?
Robin - Ambas as coisas. O temor e a cumplicidade estão presentes nos laboratórios do mundo. No livro deixo claro que há cientistas, em todos os países, cuja única função é legitimar o trabalho da empresa.
Qual é o papel dos governos para que empresas como Monsanto avancem?
Robin - Os governos são os melhores propagandistas dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados). Realizam um trabalho de lobby incrível. A Monsanto leva seus estudos, sua informação, suas revistas e fotos, tudo muito lindo. E diz aos políticos que não haverá contaminação e salvará ao mundo. E os políticos entram na dela. E também há pressões. Deputados franceses tem denunciado publicamente as pressões da Monsanto, até reconheceram que a companhia contatou a cada um dos 500 deputados para que legislem segundo os interesses da empresa.
E o papel dos meios de comunicação?
Robin - Me dá muita pena porque sou jornalista e acredito no que fazemos, acredito que é uma profissão com um papel muito importante na democracia, mas há uma grande manipulação dos meios. Em todo o referido aos transgênicos, a imprensa não trabalha seriamente. Os meios olham a propaganda da Monsanto e a publicam sem questionamentos, como se fossem empregados da empresa. Também é público que a Monsanto convida a comer aos periodistas, lhes dá regalias, os leva de viagem a Saint Louis (onde está sua sede central); os jornalistas vão muito contentes, passeiam pelos laboratórios, não perguntam nada e vão. Assim funcionam os meios com a Monsanto. Também registrei casos nos quais a Monsanto busca, em cada meio de comunicação, um defensor. Estabelece contato com ele e consegue opiniões favoráveis. Não sei se há corrupção, mas sei que a Monsanto consegue seu objetivo. Na Argentina é claro como atua, ao ver alguns artigos de suplementos rurais se vê que em lugar de artigos jornalísticos são publicidades da Monsanto. Não pareceria que um jornalista o escreveu, foi diretamente a companhia.
Que avaliação faz do enfrentamento entre o governo e as entidades patronais do agronegócio?
Robin - Em 2005 entrevistei a Eduardo Buzzi, estava furioso pelo assunto das regalias reclamadas pela Monsanto. Falava dos enganos da Monsanto. E, além disso, falava dos problemas que trazia a soja, até me pôs em contato com pequenos produtores que me falaram das mentiras da Monsanto, da resistência que mostravam as ervas daninhas, que tinha que utilizar mais herbicida e que os campos ficavam como terra morta. Buzzi sabia tudo isso e me dizia que questionava esse modelo, afirmava que a soja trazia a destruição da agricultura familiar e me dizia que a Federação Agrária representava esse setor, que enfrentava aos pools de semeadura e às grandes empresas. E Buzzi denunciava muito este modelo, muito bom discurso. Mas agora não é o que acontece. Nunca o voltei a ver e gostaria de perguntar-lhe o que lhe aconteceu que agora se une com as entidades mais grandes, me estranha muito a mudança que mostra. E acima de Buzzi está com Aapresid (Associação Argentina de Produtores de Semeadura Direta – integrada por todas as grandes empresas do setor, incluindo as sementes e agroquímicas), que é a que mais ganha com todo esse modelo, e que apareceu pouco neste conflito. Aapresid manipula tudo e está com os grandes sojeiros, que não são agricultores e que até promovem um modelo sem agricultores. Então não entendo como a Federação Agrária disse representar produtores pequenos e está com a Aapresid. O que a Federação Agrária é muito estranho, não se entende.
E o papel do governo?
Robin - As retenções podem ser que frenem algo do processo de sojização. Mas não é uma solução frente a um modelo tão agressivo. A solução tem que ser algo muito mais radical e não a curto prazo. Claro que a tentação dos governos é grande, a soja traz bons rendimentos, mas deve-se pensar a longo prazo. Não há soluções simples e de curto prazo para um modelo que tira campesinos de suas terras e, mediante esterilizações, contamina a água, a terra e a população.
(Por Darío Aranda, Brasil de Fato, 09/04/2009)