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política energética geração de energia
2009-04-13

Projeto que prevê o incremento de 54 mil MW na matriz energética do país atenderá principalmente a indústria eletro-intensiva

Reforçar um modelo energético que favorece as empresas transnacionais e onera a população e o meio ambiente. Essa é a lógica que permeia o Plano Decenal de Expansão de Energia (2008-2017) do governo federal, que prevê, nos próximos dez anos, um incremento de 54 mil megawatts (MW) na matriz energética brasileira. A questão foi o tema central de um seminário promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), no dia 1º de abril, e que contou com a participação de movimentos sociais, entidades ambientalistas, pesquisadores, estudantes e representantes do governo.

Com uma potência atual de 107 mil MW, a previsão é de que, com o Plano, a produção de energia alcance, até 2017, cerca de 161 mil MW. Dos 54 mil MW que serão acrescidos, 16 mil MW correspondem a empreendimentos de geração já contratados e 38 MW ainda a contratar. Esse aumento se dará especialmente por meio de usinas hidrelétricas e termelétricas movidas a óleo combustível, carvão mineral e gás. O restante – uma quantidade irrisória – será preenchido por energia nuclear e as chamadas energias alternativas, como a eólica e a solar. Para a consolidação do Plano, estão previstos R$ 142 bilhões.

Alto consumo
A demanda de energia elétrica para um determinado período de tempo é calculada de acordo com a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB); no caso do Plano, em um período de dez anos. A lógica do cálculo é praticamente a mesma para todos os países, segundo o professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP) Célio Bermann. No entanto, ele ressalta uma diferença do Brasil em relação aos países mais ricos: projetar mais energia do que o crescimento econômico necessita.

Até 2017, o Plano Decenal de Expansão de Energia prevê para o Brasil uma elevação de 4% do PIB, com um aumento de 4,8% na geração de energia. Já no Japão e nos Estados Unidos, por exemplo, para cada ponto percentual de crescimento da economia, se utiliza menos de 1% de incremento de energia disponível.

O motivo da diferença, de acordo com Bermann, está no tipo de desenvolvimento que caracteriza cada país. "Eles [países ricos] conseguem fazer isso principalmente porque grande parte das indústrias que consomem energia elétrica estão nos países do Terceiro Mundo, nos países subdesenvolvidos, entre eles, o nosso".

Da energia consumida hoje no Brasil, 30% corresponde a apenas seis setores industriais, os chamados eletro-intensivos: produção de aço na siderurgia, alumínio primário, ferro-ligas na metalurgia, cimento, indústria química e o ramo de papel e celulose.

Portanto, é o mercado, de acordo com o professor, que dita esse ritmo acelerado da geração de energia no Brasil, a fim de atender essencialmente essas indústrias cuja produção é voltada quase que em sua totalidade para a exportação.

Energia para quê?

O problema começa, para Bermann, na falta de um questionamento sobre a finalidade da energia gerada. Sem essa reflexão mais crítica, a consequência é um planejamento energético baseado exclusivamente na demanda do mercado em curto prazo.

O Plano não leva em consideração, por exemplo, a carência de energia que atinge ainda um grande número de domicílios no país. Ao ignorar essa demanda social e apostar somente nas exigências do mercado, reproduz-se a visão "ofertista" que, segundo Bermann, predomina no atual modelo. "Como não se discute o destino da energia elétrica, se toma a quantidade de energia que vai ser demandada como base inquestionável", argumenta.

Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB, estende a necessidade desse questionamento principalmente em relação à energia das hidrelétricas que, além de limpa, seria mais barata, por ser gerada a partir da água.

Ele lembra, por exemplo, da diferença paga pela população e pelas grandes indústrias em relação à energia gerada pelas barragens. Empresas como Vale do Rio Doce e Alcoa gasta, em média, cinco centavos pelo quilowatt (KW): praticamente a preço de custo. O trabalhador, porém, desembolsa cerca de 60 centavos pelo mesmo KW – um valor que corresponde, no mercado internacional, ao da energia gerada nas termelétricas.

Cervinski recorda, ainda, do financiamento público para a construção de barragens via recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que permite que os consórcios tenham cada vez menos despesas.

Outro desenvolvimento

Célio Bermann refuta o argumento de que as indústrias eletro-intensivas precisam de mais incentivos por serem responsáveis pela geração de emprego e renda. De acordo com ele, há outros setores que contribuem mais para o crescimento do país, sem, com isso, demandar tanta energia. "A quantidade de empregos que esse tipo de indústria cria é muito menor do que outros setores industriais, que são mais intensivos em mão-de-obra, como o têxtil e de alimentos", explica.

Bermann defende, por isso, mais investimento nesses segmentos, que poderiam reorientar, inclusive, uma nova política de desenvolvimento nacional. "Temos que mudar essa forma de produção e de inserção do país no mercado internacional como mero produtor de bens primários, com baixo valor agregado mas com alto conteúdo energético e de problemas ambientais", afirma.

Unidade e articulação
A necessidade de um novo modelo energético e de desenvolvimento também é destacada por Luiz Dalla Costa, da coordenação nacional do MAB. De acordo com ele, situações como a crise econômica, o destino dos recursos da camada do pré-sal e as mais recentes denúncias contra a construtora Camargo Corrêa são importantes para reacender os debates.

As discussões, para Dalla Costa, devem ser o primeiro passo para criar articulação e unidade entre os trabalhadores, essenciais para construir um modelo que atenda aos interesses da população. "Nós queremos que o recurso gerado pela produção da energia sirva, de fato, aos interesses da maioria do povo, não como é hoje, em que ele fica na mão das multinacionais, das grandes indústrias, só sobrando para o povo pagar a conta e os problemas sociais e ambientais", afirma.

(Por Patrícia Benvenuti, Brasil de Fato, 09/04/2009)


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