O trabalho é difícil e artesanal: a bordo de um pequeno barco, três homens recolhem com as mãos o máximo que conseguem do lixo que se acumula nas margens do principal manancial da capital paulista, a Represa do Guarapiranga, na zona sul, responsável pelo abastecimento de 4 milhões de pessoas (20% da Região Metropolitana de São Paulo). Os "lixeiros da represa" bateram, em fevereiro, o recorde no volume de lixo retirado da água: cerca de mil sacos.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp) decidiu investir em uma operação cata bagulho própria, chamada Defesa das Águas, porque o grande volume de sujeira estava, todos os meses, entupindo os dutos de captação de água para tratamento e distribuição à população, que ficam próximos da foz do Rio Guarapiranga. Desde que a iniciativa teve início, há dois anos, já se retirou da represa um volume equivalente a 1,1 milhão de litros de resíduos, equivalentes a 11 mil sacos de lixo grandes. "Éramos obrigados, quase mensalmente, a recorrer a mergulhadores para desentupir os canos e assegurar o fluxo de água", diz Alexandre Bueno, encarregado de Operações da Sabesp.
As bombas, automatizadas, sugavam a sujeira para dentro do sistema. "Agora, com a coleta de lixo em nove pontos que mapeamos, não é necessário mais fazer isso frequentemente", ressalta Bueno. Neste ano, nenhuma ação subaquática foi necessária. Mesmo assim, perto da torre de captação, 273 sacos de lixo acabaram recolhidos neste ano. Com as chuvas fortes, o problema piorou. Os cinco afluentes do Guarapiranga trouxeram mais lixo dos bairros próximos, onde vivem 800 mil pessoas. Assim, aumentou a quantidade de "ilhas" de sujeira no enorme reservatório, construído artificialmente na década de 1900 - com o tamanho de 2,6 mil campos de futebol.
A proliferação de plantas aquáticas, os aguapés, incentivada pelo calor, também contribuiu para reter mais lixo entre as raízes. E o cheiro da água ficou bem pior. Foi o que notaram frequentadores das praias ao longo da Avenida Presidente Kennedy, na região da Capela do Socorro. "A água cheira forte e a gente vê mesmo muito lixo boiando. O pessoal também não colabora e joga muito resto de comida e embalagens na água", reclama Kelly Yunes de Oliveira, de 23 anos, que costuma levar os filhos à represa nos fins de semana.
Nos próximos dias, o cata bagulho aquático ganhará o reforço de dois barcos tipo balsa, munidos com esteiras e pás para fazer o recolhimento e a rolagem do lixo, para posterior reciclagem - um deles tem até canhão de água. Os equipamentos foram recentemente adquiridos pelo Estado, a um custo de R$ 200 mil cada um. Apelidadas de cata lixo, as embarcações, únicas no País, estão atracadas na represa, mas ainda dependem de uma autorização especial da Marinha para entrar em serviço. Um protótipo foi testado, com sucesso, no Rio Pinheiros. Com o casco chato, se consegue chegar mais perto das margens da represa e cada barco tem capacidade para armazenar 6 toneladas de lixo.
Por meio de um acordo com a Prefeitura, todo o lixo coletado pela empresa estadual fica disposto na área da Marina Santa Clara, um galpão abandonado, onde os caminhões do governo municipal coletam e levam o material para reciclagem. A Sabesp ainda trabalha atualmente em um processo de identificação da propriedade do edifício, para pleitear a desapropriação e a transferência de posse para o governo do Estado.
(Por Daniel Gonzales,
O Estado de S. Paulo, 13/04/2009)