Eduardo Alves tem 5 anos e seis irmãos. Todos moram no mesmo cômodo e dormem no chão, menos a mãe deles, em uma cama de solteiro. Às 10h de quarta-feira, estavam todos em casa, alheios ao cheiro de mofo, à falta de ventilação e ao esgoto ao lado do barraco, pelo menos um metro abaixo do nível da rua. A porta – da altura do ombro da mais velha, Ana Carla, de 25 anos – não dá conta de tornar o ar respirável, tampouco a janela minúscula e o ventilador.
– Minha mãe de vez em quando adoece. A maior parte do tempo fica na cama, com o corpo inchado. Ela tem pressão alta. Não pode beber, mas bebe – conta Ana Carla, grávida do quarto filho.
Fora da Rocinha, onde a família mora, o sol brilha e as árvores balançam ao vento. A moradia dos Alves reúne todos os facilitadores da propagação do bacilo de Koch, que tornam a Rocinha campeã em casos da doença no Brasil. Com a verticalização incessante dos barracos, a luz solar – capaz de matar o bacilo – não alcança os becos, nem as residências, muitas delas em porões, sem janelas e habitadas por até três gerações de parentes, não raro alcoólatras, dependentes químicos ou acometidos por outras doenças.
– Quando chove, o esgoto volta e os ratos visitam aqui dentro. A gente tira o lixo com a pá e as crianças pela janela – Ana Clara acrescenta mais um dado importante, a falta de saneamento básico.
A valorização imobiliária (um quitinete pode custar R$ 30 mil, com aluguel a R$ 300) e a alta demanda por moradias levam proprietários a dividirem os imóveis em cômodos para locação. São os chamados “caixotes”, em alusão ao tamanho e à falta de entrada de ar, com aluguéis até três vezes mais baratos do que os imóveis nos pavimentos altos, mais arejados.
– Quem mora aqui trabalha o dia todo e chega em casa cansado, só para dormir. As pessoas se acostumam a essas condições – observa o diretor de comunicação da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, Arlei Macedo.
O sapateiro Genival Berto é um dos acostumados. Há cinco anos aluga por R$ 200 um cubículo no nível “garagem” na Rua do Valão, uma das mais valorizadas, às margens da Autoestrada Lagoa–Barra. Já perdeu a conta das vezes em que o valão transbordou e invadiu a oficina onde conserta sapatos. Alguns se perderam na enxurrada, como a qualidade de vida do dono.
– Um ambiente desses é muito ruim para trabalhar. Mas vou para onde? – pergunta.
(Por Ana Paula Verly,
Jornal do Brasil, 13/04/2009)