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favelas saúde pública tuberculose
2009-04-13
Tão obscuros e abafados quanto o meio onde o bacilo de Koch se multiplica são os dados sobre a epidemia de tuberculose na Rocinha – recordista nacional do número de casos da doença que era tida como mortal no século 19. A denúncia é do coordenador do Fórum de ONGs na Luta Contra a Tuberculose, Carlos Basílio, insatisfeito com a falta de transparência e resultados no controle da doença, que mata mais no Rio do que em qualquer outro estado, principalmente na favela de São Conrado, onde 55 novos doentes são são diagnosticados todo mês.

Prioridade da administração do prefeito Eduardo Paes e motivo de preocupação para o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o combate à tuberculose na Rocinha – com 300 mil habitantes – desde 2003 se resume a 40 agentes comunitários incumbidos pela prefeitura de distribuir remédios aos doentes. É a única medida do Programa de Controle de Tuberculose da Secretaria Municipal de Saúde na comunidade, com os mesmos gestores há 12 anos.

De 2004 para 2006, caiu de 313 para 266 o total de pessoas atendidas pelo programa. Em 2007, foram 35 casos e quatro mortes (nove no total) a mais do que no ano anterior, mas a gerente do programa, Elisabeth Cristina Soares, não sabe explicar por que e declarou ao Jornal do Brasil não ter os dados do ano passado e os deste ano.

– A gente não sabe. Quarenta casos não é nada. Não é uma tendência de aumento. Esses óbitos podem ser por vários acontecimentos durante o tratamento, como outras doenças, violência, acidentes etc – defende-se.

Rita Smith, fundadora e presidente do Grupo de Apoio a Ex-Pacientes e Pacientes de Tuberculose, com base na Rocinha, revela 432 casos, com nove mortes, em 2008, atendidos no Centro Municipal de Saúde da Gávea:

– Os índices da Rocinha são muito altos, comparáveis aos de países da África onde não há programas de atenção básica à saúde.

A Rocinha se compara apenas à região de Murialto, em Porto Alegre, também com taxas acima dos 500 casos por 100 mil habitantes, mais de 12 vezes a média nacional, segundo o Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Em visita à Rocinha, para marcar o Dia Mundial de Luta Contra a Tuberculose, em 24 de março do ano passado, Temporão atribuiu os índices altos da doença – de diagnóstico e tratamento simples – ao sistema de saúde “equivocado do Rio, voltado para a doença em vez da saúde”. “Esse modelo tem que ser enterrado. É dos anos 50 do século passado”, disse na ocasião.

O modelo, entretanto, persiste. Também os gestores, relaciona Carlos Basílio. Elisabeth Soares era coordenadora do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS-Rocinha), criado em 2003, antes de assumir a gerência do controle municipal da doença.

– São os mesmos responsáveis no município há 13 anos. Os gestores resistem a abrir os dados e isso é grave do ponto de vista social, porque a doença está circulando. A negligência do gestor público atinge a todos. Principalmente aos mais pobres – ataca Basílio.

A mobilização da sociedade – por meio de iniciativas como o fórum e o grupo de apoio – estimula novas ações de combate à doença, como a Frente Parlamentar Pela Luta contra a Aids e a Tuberculose, lançada em dezembro pelo deputado Gilberto Palmares (PT), com o objetivo de implementar políticas públicas de combate e prevenção e dar mais visibilidade à endemia e aos recursos gastos.

Um levantamento do deputado estima em cerca de 20% o percentual de doentes não diagnosticados, cuja doença só é descoberta com a internação ou o óbito. Ao mesmo tempo, um relatório do Tribunal de Contas do Município apontou o desvio de R$ 3 milhões de verbas federais para o setor para outras áreas, o que prejudicou o tratamento dos pacientes.

Durante a campanha eleitoral, Palmares enviou uma carta ao então candidato Eduardo Paes para pedir atenção à doença, com média de 90 casos por 100 mil habitantes no estado – mais do que o dobro da média nacional, de 40,8. Todo ano são registrados 12 mil novos casos e 700 óbitos, o que representa 20% das notificações no Brasil. Eleito, Paes incluiu o controle da tuberculose entre as prioridades da gestão.

O secretário que não cumprir as metas anuais poderá ser demitido, chegou a anunciar o prefeito.

– O Brasil e o Peru detêm quase 50% dos tuberculosos das Américas. O Rio é o campeão e dentro do Rio há uma área de altíssima concentração, que extrapolou todos os demais, que é a Rocinha. A situação é calamitosa – conclui Basílio.

(Por Ana Paula Verly, Jornal do Brasil, 13/04/2009)

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