Em diversos comentários, já tratamos do potencial de negócios e de inclusão social que existe na reciclagem de resíduos sólidos. Pois tesouro muito maior esconde-se no que consideramos “lixo mesmo”, os resíduos orgânicos – urbanos, domésticos, industriais e rurais. No Brasil, eles representam 60% dos resíduos produzidos. Cada brasileiro produz, em média, 5 kg de lixo por semana, dos quais 3 kg são orgânicos. Numa cidade de 50 mil habitantes, representam 150 toneladas semanais de resíduos que ficam a céu aberto, já que poucos municípios deste tamanho possuem aterros sanitários.
Em metrópoles como São Paulo, são 30 milhões de toneladas semanais que vão para os já esgotados aterros. Apenas 1% deste total é compostado, quer dizer, é transformado em adubo orgânico, que possui os nutrientes importantes para a agricultura: nitrogênio, potássio e fósforo (fosfato).
O Brasil consome 30 milhões de toneladas de fertilizantes por ano e precisa importar 75% do nitrogênio e do fosfato e 92% do potássio. Os grandes fabricantes estão investindo no país para ampliar a produção destes nutrientes no próprio território nacional e diminuir a dependência externa. Em 2008, o Brasil importou 22 milhões de toneladas de fertilizantes e gastou perto de 8 bilhões de dólares com estas importações (só para comparar, o Bolsa Família nesse ano foi de 5 bilhões de dólares, mais ou menos 10 bilhões de reais).
O Brasil possui reservas naturais destes nutrientes que exigem atividade de mineração para serem obtidas, e mineração causa alto impacto ambiental. Portanto, serão cada vez mais caras. A independência em relação a produtos tão estratégicos pode vir do lixo, milhões de toneladas que não recebem tratamento adequado, poluem lençóis freáticos e mananciais, espalham doenças e acumulam problemas para as cidades.
Esta transformação de lixo orgânico em fertilizante de alto desempenho esbarra em algumas dificuldades. A primeira é o custo do transporte dos resíduos até as usinas de compostagem. Neste sentido, o exemplo do Carrefour pode ser replicado por outras empresas. Num projeto-piloto nas lojas da região de Campinas e Sorocaba, os resíduos orgânicos vêm sendo enviados para uma empresa de compostagem, numa tentativa de não apenas diminuir o impacto ambiental como também de reduzir custos.
São nove lojas que estão incluídas no projeto, cada uma delas produzindo 60 toneladas / mês de lixo orgânico, como restos de frutas, verduras e outros alimentos que servem para a compostagem. O Carrefour teve o cuidado de escolher uma empresa que utilizasse métodos orgânicos para transformar o resíduo e encontrou a AgroDKV, de Piracicaba. O Carrefour paga R$ 30 por tonelada para a AgroDKV dispor o material; se o enviasse ao aterro, gastaria R$ 48 por tonelada. Este preço só pôde ser acordado porque a rede varejista fechou um contrato longo com a usina, dando segurança e escala para o investimento de ambos.
A AgroDKV pode hoje processar 400 toneladas / dia de material. O adubo orgânico resultante do processo é vendido em sacos de 20 kg, com preço variando entre R$ 4 e R$ 6 reais. Mas as possibilidades de ampliar os negócios, já que o contrato com o Carrefour prevê, em médio prazo, a venda do adubo em sacos pequenos nas lojas da rede. Mesmo assim, a AgroDKV reclama que o mercado de compostagem ainda não está suficientemente organizado para dar impulso a novos investimentos. Faltam clientes – os agricultores que precisam dos fertilizantes importados. Este composto tem baixa concentração dos nutrientes necessários para as lavouras. Mas, a solução pode estar a caminho.
A Embrapa Solos está desenvolvendo um projeto de fertilizantes à base de resíduos orgânicos, por enquanto só industriais (bagaço de cana, palha de milho, resíduos de cevada e de restaurantes industriais). O objetivo é estimular empresas nacionais que já produzem fertilizantes orgânicos por processos não-tecnológicos, baseados na simples compostagem de resíduos orgânicos, a melhorarem o produto com o apoio tecnológico da entidade, para que o fertilizante tenha garantias técnicas mínimas e possa substituir o produto importado.
A Embrapa vem chamando este produto de fertilizante orgânico tecnológico. Ainda está no início, mas é promissor. Com ele, e o estabelecimento de uma logística adequada para reduzir desperdícios e fazer chegar às usinas os resíduos, vamos diminuir os lixões e seus impactos ambientais, bem como a dependência brasileira em fertilizantes tão estratégicos para a nossa segurança alimentar.
(Por Ricardo Young*,
CartaCapital, 09/04/2009)
* Empresário e presidente do Instituto Ethos e do UniEthos; conselheiro das organizações Global Reporting Initiative (GRI) em Amsterdam, Holanda, Accountability, em Londres (Inglaterra) e Grupo de Zurich (Suiça)