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política ambiental canadá passivos do petróleo exploração de petróleo
2009-04-09
A picape Toyota trafega com facilidade sobre a neve que cobre as estradas do parque florestal de Hinton, uma pequena vila de 10 mil habitantes escondida entre as Montanhas Rochosas da Província de Alberta, na região central do Canadá. Dentro do carro, bem protegida de incômodos -13°C, Joan Simonton pede para que o especialista em pesquisas ambientais David Andison estacione de frente para uma clareira cercada de pinheiros. Ali, uma área do tamanho de três campos de futebol foi recentemente varrida pelo fogo. Com o dedo, Joan aponta para os tocos carbonizados que restaram no meio do gelo. Ela sorri e diz com orgulho: "Veja só que bacana isso".

Joan não perdeu o juízo. Ao lado de David Andison, ela é parte dos pesquisadores do Foothills Research Institute, uma organização que tem liderado as ações de conservação da "floresta modelo" de Hinton, projeto que tem atraído a curiosidade internacional. Por mais estranho que possa parecer, em Hinton o fogo tem sido utilizado como um dos principais aliados da floresta. O uso controlado das chamas, diz Andison, desde que limitadas a uma área pré-definida - com condições especiais de umidade, vento e temperatura -, permite que se acelere a injeção de nutrientes no solo. "Esse processo fortalece a região e a renovação da vegetação local", afirma.

A audácia que caracteriza os métodos de preservação ambiental aplicados em Hinton está presente em boa parte das pesquisas tocadas por institutos e universidades canadenses. A busca por fontes mais limpas e renováveis para geração de energia e de matéria-prima tem resultado em projetos como o da Universidade de Waterloo, em Ontário, onde se testa o uso de resíduos da palha de trigo - normalmente queimada nas lavouras - para fabricar partes de plástico de veículos. Em Vancouver, cientistas estão empolgados com o sucesso das células de hidrogênio para mover veículos. "O hidrogênio é o combustível do futuro", diz Lars Rose, cientista do National Research Council of Canada (NRC). Rose pode até estar certo em sua previsão. A questão central, porém, é saber quando este futuro virá.

A realidade vivida pelo Canadá na esfera ambiental e de geração de energia talvez seja um dos melhores exemplos da distância que separa os tubos de ensaio das reais fontes que abastecem a economia - e a Província de Alberta é o expoente maior desse vácuo.

No subsolo das florestas de pinheiros da Província está a segunda maior reserva de petróleo do mundo. Com 661,2 mil quilômetros quadrados - área maior que a de países como França ou Tailândia -, Alberta só fica atrás da Arábia Saudita no ranking global do petróleo. Seu desconforto, no entanto, é conviver com o fato de estar sentada sobre um dos petróleos mais "sujos" do planeta.

O petróleo canadense, que hoje abastece 19% da demanda dos EUA - os americanos compram mais petróleo do Canadá que do Oriente Médio - é extraído das chamadas areias betuminosas. Até meados dos anos 1990, tirar petróleo dessas areias escuras era algo extremamente custoso e lento, o que desestimulava a indústria petroleira. Nos últimos dez anos, porém, a alta do petróleo fez com que a exploração dessas fontes não convencionais se tornasse economicamente interessante. A areia betuminosa passou a movimentar dezenas de bilhões de dólares, investimento que não tem saído ileso a uma saraivada de críticas devido ao seu custo ambiental.

Cerca de 80% do betume - a substância que é retirada da areia para gerar o petróleo - dorme a uma profundidade de aproximadamente 60 metros da superfície. Para tirá-lo de lá é preciso, antes de mais nada, cortar as árvores e remover toneladas de terra e areia que estão nas camadas superiores. Nos campos de Alberta, caminhões gigantescos são usados para escavar os campos. Uma vez que a areia é alcançada, ela passa por um processo de lavagem em toneladas de água quente - em algumas ocasiões, usa-se soda cáustica. É dessa lavagem que emerge o betume, matéria-prima que é convertida em petróleo após ser cozinhada a uma temperatura de 900°C.

O saldo para a natureza é o mais desastroso possível. Para obter um barril de petróleo, é preciso revirar e lavar nada menos do que quatro toneladas de areia. Quando decidem por não escavar o solo, as petroleiras optam por perfurar a terra com dois longos canos metálicos, até atingir os campos de betume. Enquanto uma tubulação envia calor para derreter a substância, a outra suga o líquido pastoso para cima, um processo que envolve um pesado consumo de energia e de gás natural. No fim do dia, o que sobra de ambos processos são enormes lagoas negras recheadas de areia, resíduos de betume e água contaminada, líquido que a indústria filtra novamente para reutilizar em novas lavagens.

"Essa situação é um exemplo claro do momento de transição que o mundo vive", diz Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). "Estamos no início da passagem de uma economia concentradora de poder e geradora de poluição para uma economia verde, baseada em alternativas limpas e de baixa emissão de carbono."

A se basear pela indústria petroleira, a hipótese de o mundo ter iniciado uma "fase de transição" parece distante. Na última década, a indústria petroleira gastou US$ 50 bilhões na construção de estruturas para retirar a areia subterrânea de Alberta - US$ 20 bilhões desse montante foram injetados em meados do ano passado, quando o barril do petróleo chegou ao pico de US$ 147.

No mês passado, o preço do barril oscilou entre US$ 45 e US$ 50, uma média que, segundo os especialistas do setor, já é suficiente para viabilizar a extração de óleo das areias betuminosas. Entre consumo de energia e gastos operacionais, o processo de extração custa cerca de US$ 23 para cada barril.

Há duas semanas, a canadense Suncor Energy deu seu recado ao mercado ao anunciar a compra de sua concorrente, PetroCanada, por US$ 15,9 bilhões. O acordo - o maior ocorrido no setor desde 2006 - cria a quinta maior produtora de petróleo e gás da América do Norte. A Suncor é hoje a segunda maior produtora de petróleo extraído de campos de areia betuminosa do mundo, atrás da canadense Syncrude. Mas elas não estão sozinhas em Alberta. Companhias como Statoil, Shell, Total, Exxon Mobil e Chevron também vêm demarcando seus territórios.

No longo prazo, a projeção para essas companhias é favorável. Em 2005, a produção de Alberta atingiu 1,7 milhão de barris de petróleo por dia. Até 2015, a expectativa é que mais de 3 milhões de barris sejam produzidos diariamente.

O potencial dos campos estimula as petroleiras. Calcula-se que as areias betuminosas do Canadá contenham 174 bilhões de barris de petróleo que já teriam condições de serem explorados de forma lucrativa. Outros 141 bilhões de barris dependem de uma nova guinada no preço do petróleo - e não há muitas dúvidas de que isso ocorrerá. A agência americana Energy Information Administration (EIA) estima que o barril de petróleo deverá custar US$ 120 em meados de 2030. A EIA alertou ainda que será preciso atingir uma capacidade extra mundial de produção de petróleo de 30 milhões de barris por dia até 2015. De outra forma, o mundo correria o risco de ter que desacelerar o ritmo e inibir a recuperação da economia.

Até lá, muita coisa já terá mudado em Alberta, dentro e fora de seus campos de betume. Recentemente, as organizações de proteção ambiental Pembina Institute e Boreal Songbird Initiative notaram que a derrubada das árvores e a emissão de gases gerada pela extração e refino da areia betuminosa já está mexendo radicalmente com a migração de pássaros que sobrevoam Alberta. Se nada for feito, diz Jeff Wells, autor do estudo sobre o tema, o que vamos assistir nos próximos 30, 50 anos, é a morte de mais de 160 milhões de pássaros. "As pessoas precisam pensar sobre o custo ecológico atual e de longo prazo desse desenvolvimento", comenta Well. "É preciso decidir se isso é algo aceitável."

(Por André Borges, Valor Econômico, 09/04/2009)

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