Bamin, ou BML, é uma empresa constituída de capital da Eurasian Natural Resources Corporation, do Cazaquistão, e a Zamin Ferrous, envolvendo capitais da China, Índia e Rússia. A empresa surgiu para viabilizar a exportação do minério de ferro de Caetité para a China. Porém, para o negócio se concretizar, precisa de uma logística cara que disponha o ferro em navios imensos (de até 330 metros) - daí a necessidade de um porto com alta profundidade, com mais de 20 metros de calado. A Baia de Todos os Santos, por exemplo, contando com um dos maiores abrigos naturais para portos da América do Sul, não serve, segundo a empresa.
Em 2007, a empresa escolheu uma praia ao norte da cidade de Ilhéus, a Ponta da Tulha, para edificar um porto em alto mar, usando o litoral para depósito do ferro, escoando-o por navios graneleiros imensos até a China. A escolha da área seguiu critérios simples - custo mais baixo entre a jazida e o "futuro" porto, o mais próximo possível da costa, com o máximo de profundidade.
Mas, o que nós temos a ver com isso? A presença de ambientes florestais e alagadiços, de uma estrada turística recém construída, de um mirante espetacular logo em frente, a passagem de baleias jubarte no local, a desova de tartarugas, a presença de pescadores artesanais de jangada, a área de proteção ambiental da Lagoa Encantada, um Parque Estadual com a maior diversidade florestal do planeta, o potencial econômico do turismo crescente neste trecho do litoral baiano, enfim, nada disso importou na escolha deste local. Afinal, para a Bamin e para o Governo da Bahia, reduzir custos e aumentar os rendimentos com a logística de um minério de ferro de baixa qualidade é mais importante do que tudo isso.
Milton Santos, baiano da Chapada Diamantina e um dos maiores geógrafos do planeta no século XX, escreveu o seu primeiro livro - Zona Cacaueira - depois de alguns anos vivendo em Ilhéus. Isso nos anos cinqüenta, quando ensinou geografia no Instituto Municipal de Ensino. Meio século depois, em documentário, alertou-nos para os efeitos nefastos da globalização.
Embora falecido, Milton Santos ainda vive na mente de muitos que leram e ouviram os seus ensinamentos, junto com o seu sorriso. Hoje, a Bamin representa com força as contradições desta globalização perversa, que move interesses privados internacionais sobre lugares frágeis, com a volúpia financeira e política - aonde começa uma ou outra sabemos pouco.
Interesses privados versus o interesse público A Bamin, de alguma forma, convenceu o governo da Bahia que deveria apoiar esta iniciativa, através de uma parceria público-privada, ou PPP. No final, o governo decretou área de 1770 hectares como de utilidade pública, a serviço da Bamin, para que ela pudesse depositar em oitenta hectares o minério de ferro. O local, muito próximo da vila, servirá de apoio para um porto privado da empresa, basicamente para escoar este minério. Ah, é preciso dizer que a empresa não precisará mais construir um minerioduto, pois o governo se comprometeu em construir a ferrovia Oeste Leste para o transporte do minério.
A decisão de governo estadual não incluiu nenhuma audiência pública, embora isto seja a recomendação da legislação brasileira - através de Estudo de Impacto Ambiental - EIA RIMA e dos estudos de alternativas locacionais. Enquanto isso, o governo anunciou que iria fazer, previamente, uma Avaliação Ambiental Estratégica, mas até hoje não houve nenhum debate ou encontro público para avaliar resultados preliminares destes estudos, sob a coordenação do LIMA, da COPPE/UFRJ.
Turismo e conservação da naturezaAs praias do norte de Ilhéus, incluindo a Ponta da Tulha, compõem cenários de rara beleza e vocações associadas ao turismo de natureza. Um dos destinos mais cobiçados do Brasil, a Costa do Cacau possui muitas comunidades tradicionais, florestas preservadas e rios de água limpa, abundantes, descendo da Serra do Conduru. Escoar minério de ferro no meio deste litoral é uma decisão arriscadíssima, pois ameaça milhares de empregos diretos com o turismo, e em franco crescimento. Neste verão, Ilhéus acolheu 48 transatlânticos, o equivalente a cinqüenta mil turistas, no ano anterior, foram 37 navios. A tendência de incremento do turismo na Bahia - em dois anos cresceu 148 %, segundo dados oficiais - inclui Ilhéus, que contribuiu, junto com Salvador e Porto Seguro, no avanço deste setor.
No inicio de abril de 2009, mais de um ano depois do anúncio oficial do governo de que teríamos um novo porto na Ponta da Tulha, este assunto parece um longo pesadelo, que atravessa a noite e invade os nossos dias. A Bahia de todos nós incluirá o cuidado com o interesse público diante dos interesses e negócios da Bamin? Depende de nós.
(Por Rui Rocha,
Adital, 07/04/2009)
* Rui Rocha é ambientalista, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz e diretor do Instituto Floresta Viva