Caros agricultores e pecuaristas, o Código Ambiental foi aprovado com cortejo e festa pela maioria dos senhores, como noticiou a imprensa. Por certo, o código traz vários benefícios econômicos que merecem comemoração, mas também diminui áreas de preservação ambiental. Minha pergunta, aos senhores e senhoras, é se vocês realmente acreditam que essas medidas, principalmente a redução de áreas de preservação – e este é o meu ponto principal – irão resolver os problemas no campo. Como farão quando, novamente, forem aterrorizados por chuvas como as do final de 2008 ou por forte estiagem?
Os senhores não percebem que ao apoiarem um código sabidamente inconstitucional, os senhores evitam buscar alternativas efetivas e permanentes? O Brasil está cansado do paliativo. Sinto em dizer, mas o que parece é que os senhores se tornaram personagens de uma grande pirotecnia eleitoreira.
Ao participarem desse teatro, a atenção dos senhores foi desviada, não havendo espaço para alternativas eficientes, como pesquisa, investimento em tecnologia, novas linhas de crédito, redução de encargos, alternativas que não incluem leis inconstitucionais. É tempo de sermos críticos e intolerantes com o agente político que ignora a estrutura normativa e, por consequência, a democracia.
Na sessão da Assembleia Legislativa do dia 31 de março, e antes dela, os deputados foram informados da inconstitucionalidade da lei. Não podemos falar em deputado desqualificado. A alternativa foi essa pirotecnia, que permite ao agente político esperto eximir-se de qualquer responsabilidade pondo a culpa do insucesso no Poder Judiciário.
Reduzir áreas de preservação, senhores, que irão afetá-los diretamente com gravíssimos danos ambientais, agrava os problemas ao invés de resolvê-los. Depois seremos nós, através dos impostos, que arcaremos com os custos para reconstruir o Estado de Santa Catarina.
A situação no campo não irá mudar com este código porque não existe alternativa milagrosa. O meio ambiente é gradativamente destruído e visto como o grande inimigo do progresso e crescimento econômico, quando o inimigo é a nossa incapacidade de pensar alternativas inteligentes.
Por que o governo do estado não apoia a produção de orgânicos, por exemplo, que é o setor que mais cresce em exportação? Os senhores até poderão produzir mais nas condições do novo código, mas talvez tenham dificuldade para vender. Consumidores conscientes não vão ser cúmplices de produtos que não preservam matas ciliares, nascentes e rios. Alguém os informou sobre isso?
Sei que a vida no campo é um legado heroico, meus avós eram agricultores familiares. Mas sei, também, que os agricultores e pecuaristas têm responsabilidade social, não vamos fazer de conta que isso não existe. Estamos juntos nisso e o estrago que alguns provocam faz com que todos nós soframos as consequências.
O código aprovado é inconstitucional porque a Constituição é expressa ao não permitir que a legislação estadual seja mais permissiva que a federal em relação ao meio ambiente. Ou seja, o código só seria válido se fosse mais rígido que a lei federal em relação à proteção ambiental e não o contrário.
Aprová-lo é subverter a lógica da democracia que preza pelas melhores decisões e não apenas por decisões de maioria. Se aceitarmos que leis que violam direitos fundamentais sejam aprovadas, estamos abrindo um precedente para permitir a aprovação de leis racistas, por exemplo. Esse código institucionaliza a lógica de que o interesse privado vale mais que o interesse público e, enganam-se senhores, se acham que o interesse em questão é o de vocês.
Se o interesse privado vale mais, por que não aceitar leis que proíbem todos de ter filhos, por exemplo? A resposta seria porque essas leis, assim como as racistas, violam direitos? Mas isso já não tem mais relevância e validade, afinal, temos um fantástico precedente: o Código Ambiental catarinense – que demonstra que não é preciso respeitar hierarquia normativa e legitimidade.
(Por Samantha Buglione,
A Notícia, 07/04/2009)
* Samantha Buglione é professora de direito e do mestrado em gestão e políticas públicas da Univali, e doutora em ciências