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política fundiária sustentabilidade rural
2009-04-01
O irracionalismo que tem conduzido a reforma agrária no Brasil causa espanto. É tamanha a insensatez que lembra a frase de Mario Benedetti, que alertou: "Cuando el infierno son los otros, el paraíso no es uno mismo". Mas a atual administração não é paradisíaca e praticamente repete a anterior, e alguns desencontros são antigos.

Uma diferença marcante tem sido a sistemática interdição do debate nos anos mais recentes, utilizando-se, inclusive, do mecanismo de cooptação de pesquisadores por meio de consultorias, calando-os pela cumplicidade.

Antes tão loquazes, renderam-se ao reino do silêncio obsequioso. Parece que o governo comanda o consenso, somente quebrado quando organizações e grupos partidários, todos beneficiários do loteamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, encenam o jogo das "pressões". Mas estas se destinam, meramente, a enganar o distinto público e, como resultado, obter mais poder e recursos.

Trata-se de uma pantomina inacreditável que, futuramente, será esclarecida e, por certo, nos envergonhará.

Há diversos ângulos, não sendo aqui possível apontar todos. Alguns são de crua obviedade. Por exemplo: reformas agrárias foram típicas dos anos 50 e 60, quando as sofridas condições da vida rural e a existência de governos autoritários justificaram tais esforços. Com raras exceções, os resultados foram desalentadores.

Posteriormente, com as ondas democratizantes e a intensa urbanização em todo o mundo, essa política desapareceu da agenda -o Brasil é, de fato, o único país que ainda a realiza.

A crise alimentar não produzirá o ressurgimento da reforma agrária, e sim o desenvolvimento de uma agricultura mais tecnificada, sem que a redistribuição da terra retorne à pauta, por óbvia falta de demanda social. No Brasil, sua execução é uma comédia, pois não enfrentamos os impasses reais e preferimos a omissão, em meio a fantasias religiosas e pedestres ideologias. Ou atiçando "lutas sociais" que só justificam a existência de algumas centenas de militantes que outra coisa não sabem fazer.

São inúmeros os aspectos problemáticos. O mais grave é que os que defendem a política atual fingem que não existiu a modernização da agricultura brasileira e a formação de um importante setor agrícola, que não cresce apenas aumentando a área plantada, como no passado dos latifúndios, mas é movido pela lógica capitalista do aumento da produtividade e da formação de lucro. Como reflete o Brasil pré-modernização, a legislação sobre a reforma agrária caducou e, como consequência, foi se tornando impossível o instrumento da desapropriação, porque sumiram os imóveis rurais enquadráveis nos critérios legais.

Qual é o resultado? Nos anos mais recentes, a ação governamental ficou encurralada em duas frentes. Aplicar a lei e desapropriar imóveis, mas quase exclusivamente no Norte, majoritariamente no Pará. Ali são graves as implicações ambientais, embora totalmente ignoradas, porque a meta só é difundir os grandes números, sempre acrescidos da observação mágica: "Assentamos mais do que FHC". A outra frente, nas demais regiões, restringe-se a comprar as propriedades à venda, mesmo que pagando caro, pois, nesse caso, o objetivo é apenas aplacar as pressões locais.

Nenhuma estratégia e inteligibilidade lógica, tudo ao acaso e ecoando a impressionante mediocridade de duas gestões de um ministério pilhado por militantes profissionais. Como o debate inexiste, restam a propaganda, a manipulação e a tibieza, pois ninguém tem coragem de enfrentar os absurdos reinantes. Quem irá modificar esse quadro?

Ninguém. Já estamos com a campanha presidencial em marcha e seria tolice mexer no vespeiro. Aguardemos o próximo governo, seja qual for. Mas é urgente mudar a ação governamental, eliminando o esquizofrênico hibridismo institucional de dois ministérios para a mesma atividade econômica, extinguindo o Incra, cujo histórico é deplorável, e criando um único ministério para reformular radicalmente a política do setor.

Uma reforma agrária regionalizada, especialmente no Nordeste, talvez ainda faça sentido, mas a agricultura demanda, em nossos dias, sobretudo mais tecnologia e melhor manejo dos recursos naturais. Quem sabe, isso feito, o Brasil finalmente acordará e, fruto da ciência, não de ideologias, concretizará uma de suas maiores potencialidades, sem paralelo no mundo, tornando-se o maior provedor sustentável de alimentos da humanidade.

(Por Zander Navarro*, Folha de S. Paulo / IHUnisinos, 30/03/2009)
* Professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra)

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