Dona de 230 cabeças de gado nelore, a pecuarista Nair Ribeiro exibe o "título definitivo" de posse de uma fazenda de 11 mil hectares na localidade de Conceição do Maú, no município de Normandia (RR). A área, dividida com seus dez irmãos, pertencia ao pai desde 1901. O documento de 1981 garantiria, segundo ela, o direito de ficar onde está. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de retirar os "não-índios" das terras da reserva Raposa Serra do Sol ratificou a caducidade do documento.
Na mesma situação, estão as produtoras Ila Hartz Santos e seus nove irmãos, que têm 450 reses, e Regina Barili e seu marido, que se dedicavam a plantar arroz em Normandia, a 200 km de Boa Vista. "Não nos disseram para onde ir, mas deram um prazo para sair das terras. Nós não existimos para o governo, nossa história não é contada", resume Nair Ribeiro.
Com histórias semelhantes a essas, um grupo de produtores de arroz e pecuaristas fez ontem duras críticas à decisão do STF de manter 30 de abril como prazo final para a retirada de máquinas, equipamentos e rebanhos da reserva espalhada por 1,75 milhão de hectares ao longo da fronteira brasileira com a Venezuela e a Guiana.
Entre citações a grandes batalhas militares da história e apelos à "resistência", os líderes ruralistas afirmaram, durante reunião na sede da federação estadual da agricultura e pecuária, sofrer ações de "perseguição" e "revanchismo" do governo federal. Em tom de campanha eleitoral, prometeram "sobreviver, manter a cabeça erguida" e "refazer" o Estado de Roraima. "O governo federal colocou a semente do ódio na nossa sociedade. Jogou índio contra índio e quem tem contra quem não tem. É um legado terrível", discursou o líder dos arrozeiros Paulo César Quartiero. Ex-prefeito da fronteiriça Pacaraima pelo DEM, o agrônomo gaúcho é apontado como candidato ao governo do Estado.
Em discursos para uma plateia de cem pessoas, composta inclusive por alguns índios, os ruralistas insistiram na necessidade de parar processos de novas demarcações de áreas indígenas no Estado e pregaram a urgência de pressionar o governo para alterar a legislação em vigor. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve visitar Roraima no fim deste mês para inaugurar a ponte de ligação com a Guiana e o aeroporto de Boa Vista. Os produtores querem o apoio dele a um projeto de lei da Câmara que modifica o rito de demarcações e homologações em terras indígenas, levando as decisões para o Congresso Nacional.
As declarações inflamadas foram reforçadas pela "posição nacionalista" do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), defensor de primeira hora da permanência de produtores e "não-índios" na Raposa Serra do Sol. Apresentado aos produtores como o "9º deputado de Roraima", Rebelo criticou, durante sua palestra, o processo de demarcação das terras indígenas e acusou ONGs ambientalistas como Greenpeace e WWF de "sequestrar a agenda do Ministério do Meio Ambiente" para impedir o desenvolvimento da agricultura, da mineração e da infraestrutura no país.
"Há uma guerra de contenção da nossa expansão", acusou. "Os países financiadores dessas ONGs devastaram, enquanto nós protegemos. Não vamos sacrificar o bem-estar material e espiritual por pressão de ONG estrangeira nenhuma", bradou. Ele disse que a decisão do STF segregará os índios e não ajudará em sua integração. "Não há lugar para o índio fora do Estado brasileiro. Eles não podem virar uma nação autônoma."
De origem alagoana, o deputado afirmou também que os países da Europa e os Estados Unidos têm interesse em patrocinar um "neomalthusianismo travestido de política ambiental" no Brasil. "Somos bons e cordatos, mas não vamos entregar isso aqui para ninguém", afirmou, lembrando da tentativa dos Estados Unidos de "comprar" do governo da Bolívia as terras onde hoje está o Estado do Acre.
Contestado pelo próprio partido, que publicou uma nota contrária à sua posição nos jornais locais do último sábado, Aldo Rebelo argumentou que as "nações mais fortes" usam pretextos de preservação da Amazônia para lutar contra as "nações que querem ficar fortes". "Não vejo com desespero, mas sem ingenuidade. Não censuro a cobiça, mas nossa incapacidade de perceber isso."
(Por Mauro Zanatta,
Valor Econômico, 07/04/2009)