A Justiça de Turim, cidade no norte da Itália, iniciou nesta segunda-feira o que está sendo considerado o julgamento do maior processo trabalhista da Europa, uma ação coletiva movida por quase três mil pessoas contra os ex-proprietários da multinacional Eternit.
O belga Jean Louis Marie De Cartier, 88 anos, e o suíço Stephan Schimidheiny, de 62 anos, são acusados de desastre ambiental doloso e omissão no fornecimento de condições salubres de trabalho para quase três mil vítimas italianas de tumores malignos provocados pela exposição à fibra do amianto.O material foi usado na fabricação de telhas, caixas d'água e tubulações da multinacional.O pedido de ressarcimento da ação coletiva é de 246 milhões de euros (aproximadamente R$ 750 milhões). Está prevista uma série de cinco audiências para o mês de abril.
40 anos
Um esquema especial de segurança acolheu os ex-operários sobreviventes e os familiares dos mortos no Palácio de Justiça de Turim. Os grupos traziam faixas e cartazes de protesto e chegaram numa caravana de nove ônibus. Centenas de homens e mulheres exibiram as fotos dos parentes falecidos. As vítimas, em sua maioria, são de Casale Monferrato, cidade abrigou uma fábrica da Eternit entre 1906 e 1986. Foi nesse ano que a Eternit encerrou suas operações na Itália.
Neste município de apenas 35 mil habitantes, todos os anos, cerca de 50 pessoas perdem a vida, principalmente devido a um tipo de câncer associado à contaminação por amianto. Segundo cientistas, as doenças originadas do contato com o amianto podem não se manifestar por cerca de 40 anos. Por isso espera-se uma diminuição no número de casos apenas a partir de 2025.
Oferta
Dois anos atrás, Schimidheiny propôs indenizações de entre 30 e 60 mil euros (R$ 91 mil e R$ 183 mil) para cada uma dos operários ou seus herdeiros, incluindo quem se contaminou na cidade mesmo sem trabalhar na fábrica. "As propostas foram recebidas com raiva por muitos, e com resignação por poucos", disse à BBC Brasil o advogado Sergio Bonetto, que presta assistência a 1,6 mil pessoas no processo.
Procuradores da República em Turim reuniram nos últimos cinco anos denúncias e as provas relacionados a 2.889 pessoas - 2.056 mortos e 830 pessoas aposentadas por invalidez devido ao surgimento de tumores malignos. Eles querem provar que a cúpula da Eternit conhecia os riscos e pouco se importou com a saúde dos seus empregados e dos habitantes das cidades onde estavam as fabricas. Na Itália, o uso do amianto foi proibido por lei apenas em 1992, seis anos depois do fechamento da última fábrica da Eternit no país. Qualquer imóvel ao ser vendido ou comprado na Itália dever possuir um atestado que comprove a ausência do amianto.A defesa dos acusados na Itália afirma que, no passado, não existiamprovas suficientes de que a fibra do material era um agentecancerígeno.
Eternit no Brasil Contatada pela BBC Brasil, a assessoria de imprensa da Eternit no Brasil ressaltou que não existe nenhum tipo de relação entre a Eternit na Itália e a empresa que opera em território brasileiro. Além disso, "o processo de operação da empresa italiana, no passado, é totalmente diferente do processo de trabalho atual da Eternit no Brasil", diz um comunicado divulgado pela companhia.
O grupo Eternit no Brasil diz ser a favor do uso "controlado" do amianto e afirma seguir as normas para uso do material previstas em leis brasileiras.Segundo o comunicado da empresa, "desde 1980, as medidas de uso controlado do amianto passaram a ser conhecidas e, portanto, adotadas por todas as empresas do grupo. Não há, assim, registro de doenças por exposição ao amianto entre os trabalhadores admitidos no Grupo Eternit após o início da década de 80". *Colaborou a redação da BBC Brasil em São Paulo
(BBC / UOL, 06/04/2009)