Em matéria de mudança climática, as cidades não são o problema, mas a solução. É essa a conclusão de um estudo publicado na edição de abril da revista "Environment and Urbanization", na contracorrente da visão fatalista de metrópoles concentrando todos os problemas ambientais: congestionamento de automóveis, expansão sem fim, lixo que se amontoa e poluição de todos os tipos.
Uma vez que mais da metade da população mundial vive na cidade, a responsabilidade das cidades no aquecimento global parece esmagadora: elas só ocupam 2% da superfície do planeta, mas concentram 80% das emissões de CO2 e consomem 75% da energia mundial.
O comprador de Paris ou o operário de Pequim?
Devem os consumidores parisienses se sentir responsabilizados por uma parte das emissões de CO2 dos operários de Xangai? Na Europa, mas também em Tóquio e no Rio, a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa se deve em grande parte à deslocalização da indústria, especialmente para a China, onde de 20% a 30% das emissões provêm de produções destinadas à exportação.
As usinas são responsáveis por 80% das emissões em Xangai e por 65% das emissões em Pequim, contra somente 7% em Londres e 10% em Nova York ou Tóquio, lembra David Dodman na revista "Environment and Urbanization".
O pesquisador defende assim uma medida das emissões baseada não sobre a produção, mas sobre o consumo, por meio da pegada ecológica individual, que atribui ao consumidor o impacto ecológico daquilo que ele comprou. Uma análise que confirma o pedido feito pela China em 16 de março, de que suas emissões de gases causadores do efeito estufa ligadas a suas exportações sejam excluídas das negociações sobre o clima.
A equação é muito simples, segundo David Dodman, pesquisador do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Londres. Pois além do efeito de massa produzido pelas cifras globais, "muitas cidades têm emissões per capita espantosamente pequenas", ele observa na "Environment and Urbanization".
Calculadas por habitante, as emissões de gases causadores do efeito estufa de certas cidades são claramente inferiores à média do país. As emissões dos nova-iorquinos representam menos de um terço da média dos Estados Unidos; cada barcelonense emite 50% a menos de gases causadores do efeito estufa do que o espanhol médio; assim como os londrinos se saem duas vezes melhor do que os britânicos. No Brasil, até as gigantescas São Paulo e Rio de Janeiro mostram emissões per capita que não ultrapassam um terço da média brasileira.
Dessa forma, devemos incentivar os esforços das cidades como Nova York, Londres, Chicago ou Amsterdã, que lançaram nos últimos meses planos ambiciosos para o clima, ou da cidade de Curitiba, no Brasil, que com seus 4 milhões de habitantes se tornou um modelo de desenvolvimento sustentável para os países emergentes.
A explicação é conhecida, proclamada de todas as formas pelos profissionais do urbanismo: uma cidade compacta, que misture moradia e comércio, e servida por transporte coletivo, é menos poluente do que um habitat individual difuso fundado sobre o reino automobilístico. Foi demonstrada a correlação entre uma fraca densidade urbana e uma quantidade elevada de emissão de CO2 por habitante. A iluminação e o aquecimento dos prédios geram um quarto das emissões de gases causadores do efeito estufa no mundo, e segundo estimativas do Banco Mundial, os transportes respondem por um terço das emissões nas cidades.
"As cidades oferecem uma verdadeira chance de reduzir a mudança climática", acredita a diretora executiva da ONU-Habitat, Anna Tibaijuka, no relatório "O Estado das Cidades do Mundo 2008-2009". Cidades bem projetadas buscam ao mesmo tempo economias de escala e densidade populacional para reduzir a demanda de recursos por habitante. Nossos dados mostram que as políticas que promovem transportes públicos eficientes, que reduzem a expansão urbana e que incentivam a utilização de energias renováveis, podem reduzir de maneira significativa a pegada ecológica de uma cidade e as emissões de CO2".
Para Dodman, determinar as cidades como culpadas pela mudança climática desvia a atenção do principal fator da emissão de gases causadores do efeito estufa: "Os verdadeiros responsáveis não são as cidades em si, mas o modo de vida dos habitantes de países ricos, baseado no excesso de consumo".
No entanto, observa o pesquisador, o desenvolvimento econômico não leva necessariamente a um aumento da poluição. Assim, a cidade de Tóquio emite uma quantidade de gases causadores do efeito estufa per capita equivalente a 45% da média japonesa, muito inferior às emissões por habitante de Pequim ou Xangai, duas vezes maiores que a média chinesa.
Mas, para além dos exemplos virtuosos, muitas cidades estão muito longe dos cânones do urbanismo sustentável, nos países em via de desenvolvimento como nos Estados mais ricos. "Ainda há necessidade de reduzir drasticamente as emissões se quisermos atingir os objetivos da luta contra a mudança climática", adverte David Dodmna.
Os transportes são responsáveis por 60% das emissões de CO2 em São Paulo, metrópole do congestionamento de automóveis, contra 20% em Londres ou Nova York, bem servidas pelo metrô. E, nos Estados Unidos, país da expansão imobiliária, a cidade densa continua sendo um desafio, ao passo que a superfície total das cem maiores cidades do país cresceu 82% entre 1970 e 1990.
As organizações mundiais se conscientizaram de que a batalha do clima se dará nas cidades. Após a recente mobilização da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da Comissão Europeia, o Banco Mundial organiza, no fim de junho em Marselha, um simpósio sobre o tema "Cidade e mudança climática".
Em compensação, as autoridades locais reivindicam junto à ONU um lugar na mesa de negociações sobre o clima. A Associação Cidades e Governos Unidos resume sua crença: "As soluções trazidas para a mudança climática mundial não podem ser viáveis se os governos locais não estiverem integrados totalmente no processo de tomada de decisões".
(Por Grégoire Allix, tradução: Lana Lim, Le Monde /
UOL, 07/04/2009)