Um mês depois do prazo dado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para a desativação de escolas itinerantes em sete acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as crianças continuam tendo aula normalmente. As escolas itinerantes foram criadas para que as crianças que vivem nos acampamentos pudessem estudar. Com a decisão do MP, os cursos oferecidos nos acampamento não têm mais validade legal e os cerca de 600 alunos das turmas de educação infantil, ensino fundamental e alfabetização de adultos deveriam ter sido transferidos para a rede pública de ensino.
O MST informou que ainda não entrou com recurso na Justiça para anular o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que contém a determinação, mas decidiu manter as escolas funcionando. A Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul informou que foram reservadas vagas em colégios de Nova Santa Rita, Sarandi (RS), São Luiz Gonzaga (RS), Canguçu (RS), São Gabriel (RS) e Julio de Castilhos (RS). Mas, segundo a secretaria, nenhuma criança fez a matrícula na rede estadual.
O promotor Gilberto Thums, um dos autores do TAC, explicou ao G1 que pediu a extinção das escolas itinerantes porque o MST não presta contas sobre o conteúdo ensinado nessas escolas. Os professores que lecionam nos acampamentos pertencem ao próprio MST ou são contratados por meio da ONG Instituto Preservar, que recebia verba do governo para a contratação dos profissionais.
“Nas escolas itinerantes, não sabemos se existe um currículo escolar mínimo para as crianças. Não há nenhum controle. O problema não é só a carga ideológica que os alunos recebem, mas ninguém sabe se realmente estudam português, matemática, ciências”, afirmou Thums, que acredita que o interesse em manter as crianças nos acampamentos é usá-las como instrumentos de manobra durante as marchas e invasões.
“As crianças estão condenadas a permanecer lá e repetir o modelo dos pais. Esse é o objetivo do MST hoje, fazer uma lavagem cerebral para impedir que elas saiam desse processo e sejam integradas à sociedade”, diz. Para Thums, a escola do assentamento em Nova Santa Rita (RS) - que serve de base para as sete itinerantes - é de fachada. “Os documentos são expedidos sem nenhuma confrontação. Eles certificam que o aluno cursou a 8ª série, por exemplo, mas não há histórico escolar. As crianças são aprovadas com uma “canetada”.
Discussões relacionadas ao acampamentoA coordenadora das escolas itinerantes do MST no Rio Grande do Sul, Marli Zimermann, alega que as escolas itinerantes seguem um currículo tradicional, mas admite que trabalham com questões vinculadas à realidade do acampamento. Segundo Marli, as crianças adquirem uma visão crítica nessas escolas.
“Trabalhamos as questões vinculadas ao acampamento dentro das áreas de conhecimento. Os educadores relacionam a teoria na sala de aula com o trabalho prático. Também temos discussões sobre ecologia, reforma agrária e organização de assentamentos, para que elas compreendam a realidade diferente em que vivem”, afirma Marli.
De acordo com a coordenadora, se as crianças se matricularem na rede pública, terão de mudar de escola sempre que o acampamento se movimentar. “Além disso, ao fechar essas escolas, as crianças terão de estudar muito longe do local onde vivem. E também vão ter o choque de ir para as escolas da cidade, que têm uma realidade totalmente diferente”, diz Marli.
Ameaças de morteSegundo Thums, os promotores do Rio Grande do Sul instauraram um procedimento para responsabilizar os pais das crianças que não estudam. Os pais das crianças poderiam ser presos ou mesmo perder a guarda dos filhos por não mandá-los à escola. Mas o promotor ressalta que nada vai acontecer.
“Como é que nós aplicaríamos essas regras em um acampamento? Isso jamais será feito, porque os acampamentos são como um estado paralelo. A lei brasileira não vale ali, quem manda é quem domina a região. Não tem como a polícia nem o governo obrigá-los a cumprir a lei”, diz. “Se o MST não cumpre nem a constituição, jamais cumpririam uma determinação do Ministério Público. São mais fortes que o estado.”
Thums não pretende insistir no fechamento das escolas, caso o MST consiga reverter a decisão na Justiça. O promotor disse que recebeu ameaças de morte e ressalta que ficou surpreso com tantas manifestações contrárias à sua decisão.
“Cheguei longe demais e agora estou recuando para preservar minha vida. Eu sou considerado um louco, visionário, simplesmente porque quis submeter esse pessoal à lei. Foi uma ação suicida. Sofri muita perseguição e ameaças”, afirma. O MST nega que tenha feito ameaças ao promotor e ressalta que esse tipo de atitude não está de acordo com o movimento.
(Por Luciana Rossetto,
G1, 06/04/2009)