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sustentabilidade rural política fundiária passivos do agronegócio
2009-04-06
O professor Zander Navarro escreveu um artigo surpreendente decretando que as políticas de reforma agrária são irracionais e desapareceram da agenda dos debates sobre desenvolvimento. A surpresa fica por conta do alto grau de desinformação expresso no texto de um pesquisador ligado à área do desenvolvimento rural. Navarro faz denúncias genéricas sem apresentar um só dado para sustentar suas posições. E aponta uma suposta interdição do debate, atacando colegas pesquisadores.

O que fica evidente na sequência de ataques disfarçados de argumentos é que o olhar do autor é que parece estar fora do debate. Ele procura fazer da desinformação uma virtude e mal consegue disfarçar seu preconceito ideológico em relação a um problema histórico do Brasil.

Essa mistura de desinformação e preconceito aparece, por exemplo, quando reclama que o Brasil é o único país que ainda realiza reforma agrária. O que não diz é que isso ocorre porque nossa elite urbana e rural nunca permitiu que ela fosse feita antes. A esmagadora maioria dos países enfrentou esse tema ainda no século 19 ou no início do século 20. É sintomático que a resistência expressa no artigo seja maior em países como Brasil, ainda marcados por profundas desigualdades sociais.

Também é sintomático que os adversários da reforma agrária separem essa agenda do debate sobre o modelo de desenvolvimento rural dominante nas últimas décadas. Um modelo que empurrou milhares de pessoas para as periferias pobres das grandes cidades e trouxe graves problemas ambientais.

Desde os anos 1970, as políticas voltadas para a agricultura obedeceram a uma lógica específica de modernização tecnológica. Por meio dela, procurou-se aumentar a produtividade da força do trabalho empregada no cultivo e na criação de animais mediante o uso de tecnologias que substituíram o trabalho humano pelo emprego intensivo de máquinas e insumos. Essa concepção favoreceu o monocultivo em grandes extensões de terra.

A combinação de uma estrutura agrária concentrada, políticas agrícolas e padrão tecnológico excludentes gerou o empobrecimento de milhares de famílias de pequenos e médios agricultores, a perda de biodiversidade e a contaminação de rios e pessoas pelo uso intensivo de agrotóxicos.

É curioso que Navarro reclame de uma suposta "interdição" do debate e proponha exatamente isso. A proposta não é nova. Em 1992, a FAO foi pressionada pelos EUA para retirar o tema da reforma agrária de sua agenda. Essa pressão se deu no contexto da hegemonia das políticas do chamado Consenso de Washington.

Na América Latina, a maioria dos países adotou esse receituário com resultados desastrosos. Duas décadas depois, esse modelo que se reivindicava como porta-voz da modernidade acabou mergulhando o mundo em uma crise gravíssima. Se há algum debate interditado é sobre essa história que muitos hoje tentam sepultar.

O governo brasileiro, com o apoio de organismos internacionais como a FAO, está debatendo propostas para um novo padrão de desenvolvimento rural. Em 2006, após 27 anos de silêncio sobre o tema, foi realizada em Porto Alegre a segunda Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. Em junho de 2008, realizamos a primeira Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, em Olinda. Esses debates, com ampla participação de agricultores, quilombolas, povos indígenas e suas entidades, estão ajudando na implementação de políticas de combate à pobreza no campo e de construção de um rural com gente, trabalho e renda.

O Brasil já contabiliza 43 milhões de hectares destinados à reforma agrária nos últimos seis anos, dado que o transforma no país com a maior área de assentamentos em todo o mundo. De 2003 a 2008, 519.111 famílias foram assentadas e 3.089 assentamentos foram implantados.

Segundo dados preliminares do Censo Agropecuário 2006, houve um aumento do número de estabelecimentos rurais nos últimos dez anos, passando de 4.859.865 para 5.204.130, um crescimento de 7,1%.

Os dados apontam o avanço da democratização do acesso à terra, uma tarefa obrigatória de qualquer país, assim como a escolha de uma forma de desenvolvimento capaz de fazer do campo um espaço de paz, produção e justiça social, incompatível com práticas como o trabalho escravo e a destruição do meio ambiente. Esse é o caminho que estamos buscando, não o de arautos de uma falsa modernidade que se perderam no tempo e não conseguem mais definir quem são nem para onde vão.

(Por Guilherme Cassel*, Folha de S. Paulo / IHUnisinos, 06/04/2009)
* Ministro do Desenvolvimento Agrário

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