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privatização da água gestão dos recursos hídricos fórum mundial da água
2009-04-06
Em termos de decisões ou, ao menos, sinalizações para futuras ações concretas, o V Fórum Mundial da Água, realizado em Istambul, foi praticamente nulo. O que prevaleceu, mais uma vez, foi a pressão exercida pelo poderoso lobby privado do setor hídrico, apesar de alertas como o do Banco Mundial - que afirma que a crise econômica atrasará em uma década o acesso à água potável para cerca de um bilhão de seres humanos que ainda vivem sem ela.

RIO DE JANEIRO – Os líderes políticos da humanidade continuam a hesitar em enfrentar de forma efetiva os problemas ambientais que ameaçam o planeta. Assim como acontece nas negociações multilaterais sobre o aquecimento global ou a preservação da biodiversidade, também reinam o impasse e a paralisia nas discussões travadas pelos governos acerca da utilização dos recursos hídricos. Reflexo dessa realidade, terminou no domingo (22), sem grandes resultados, o V Fórum Mundial da Água, realizado na Turquia.

Alguns governos, com o apoio da quase totalidade das organizações representativas da sociedade civil que marcaram presença em Istambul, queriam incluir de forma clara no documento final do fórum a afirmação de que a água é um bem universal e que o acesso a ela é um direito fundamental e inalienável de toda a humanidade. A questionável necessidade de consenso na elaboração desse tipo de documento, no entanto, impediu tal inclusão, transformando o Consenso de Istambul (esse é seu nome oficial) numa declaração final tão insossa quanto aquela aprovada em 2006 no México durante o IV Fórum Mundial da Água.

Os representantes dos 182 governos que participaram das discussões tentaram reverter parcialmente o evidente fracasso político do V Fórum com a divulgação de um outro documento. Inicialmente batizado como Guia de Estratégias, este documento lista uma série de recomendações sobre a utilização responsável da água em setores como a agricultura e a produção de energia, além de citar medidas que devem ser tomadas por governos e empresas para evitar a poluição das águas e o esgotamento dos recursos hídricos.

Trata-se de mais uma carta de boas intenções, e nada mais do que isso, produzida num encontro mundial convocado para discutir uma crucial questão ambiental. Por trás dessa paralisia escondem-se os interesses econômicos dos grandes grupos privados que atualmente tentam controlar e privatizar o acesso à água potável em diversos pontos do globo. Nesse complexo tabuleiro, os países da União Européia curiosamente deixam de se comportar como a “vanguarda ambiental” do planeta e adotam uma conveniente discrição. Afinal, de onde são mesmo as principais empresas privadas do setor?

Vítimas do processo de privatizações dos serviços públicos ocorrido nos anos 1990 e 2000, os países da América Latina são os que sentem mais de perto a ameaça trazida pelas grandes corporações que tentam controlar o mercado da água. Não foi à toa que, em Istambul, países como Uruguai, Venezuela e Bolívia lutaram para que constasse na declaração final do V Fórum a afirmação de que a água é um bem de toda a humanidade.

Cerca de cem ministros de Estado participaram do encontro na Turquia. A delegação brasileira _ uma das maiores, com cerca de 150 pessoas _ foi chefiada pela secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Ela participou de duas mesas-redondas que discutiram, respectivamente, o combate à pobreza e a utilização de recursos hídricos para a produção de energia.

Um dos poucos bons momentos desse V Fórum Mundial da Água foi a apresentação do Documento das Américas, que trouxe um amplo diagnóstico da situação dos recursos hídricos nas três Américas. Na América do Sul, os principais problemas apontados pelo relatório, além da privatização do acesso aos recursos hídricos, foram o avanço das fronteiras agrícolas e o grande aumento da sedimentação dos mananciais causado por megaprojetos como usinas hidrelétricas e barragens. Segundo o estudo, a América do Sul detém 28% dos recursos hídricos do planeta, e tem como principais bacias hidrográficas as formadas pelos rios Amazonas, São Francisco, Orenoco, Prata e Madalenas.

Outro ponto positivo do encontro realizado em Istambul foi que, pela primeira vez, intensificaram-se as discussões governamentais acerca do impacto do aquecimento global sobre o abastecimento de água em todo o mundo. O tema foi primeiro ponto de pauta da reunião de ministros, e recebeu especial atenção dos países que já enfrentam problemas como o aumento de inundações e secas, o aumento do nível do mar e o derretimento de gelo polar, entre outras catástrofes intensificadas pelo processo de mudanças climáticas.

Algumas discussões avançaram em Istambul, mas, em termos de decisões ou, ao menos, sinalizações para futuras ações concretas, o V Fórum Mundial da Água foi praticamente nulo. O que prevaleceu, mais uma vez, foi a pressão exercida pelo ganancioso lobby privado do setor hídrico, apesar de alertas como o do Banco Mundial - que afirma que a crise econômica atrasará em uma década o acesso à água potável para cerca de um bilhão de seres humanos que ainda vivem sem ela - ou o da Unesco, que mostra a estimativa de que 80 milhões de novos habitantes do planeta acirrarão a “concorrência” pelo acesso à água nos próximos anos.

(Por Maurício Thuswohl, Carta Maior, 30/03/2009)

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