A entidade critica a posição das Nações Unidas e do Banco Mundial que consideram a água mais uma necessidade do que um direito: “Essa é uma diferença crucial. Quando se define a água como uma necessidade e não como um direito chega a ser possível mercantilizá-la e fazê-la entrar numa lógica comercial”, diz a organização. Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o número de pessoas com graves problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030, ou seja, metade da população do mundo.
Além dos 27 mil especialistas, representantes governamentais, cientistas e ambientalistas que participaram do V Fórum Mundial da Água, o encontro realizado em Istambul contou com uma participação pouco bem vinda para os representantes da sociedade civil: a de empresas que atuam na bilionária indústria da água. Organizações camponesas realizaram manifestações criticando o Conselho Mundial da Água, entidade independente que organiza o fórum e é composta por uma gama diversa de atores governamentais, não-governamentais, privados e multilaterais como, por exemplo, o Banco Mundial e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
As organizações camponesas alegam que o Fórum Mundial da Água foi estabelecido por corporações multinacionais e por grupos de interesse privado com o objetivo de mercantilizar e comercializar os recursos hídricos e maximizar seus potenciais lucros: “O Banco Mundial e os monopólios da água são dominantes no conselho e este está esforçando-se em assegurar que a lógica do lucro determine o destino da água”, afirma um comunicado distribuído em Istambul pela Via Campesina.
A Via Campesina lembra que atualmente, na própria Turquia, se está preparando uma legislação que concederia a água dos rios, lagos e outros depósitos de águas a corporações: “Trata-se de uma nova fase de privatização da água”, denuncia. A entidade ressalta que as Nações Unidas e o Banco Mundial consideram que a água é mais uma necessidade do que um direito: “Essa é uma diferença crucial. Quando se define a água como uma ‘necessidade’ e não como um ‘direito’ chega a ser possível mercantilizá-la e fazê-la entrar numa lógica comercial”.
Segundo informações da agência de notícias Adital, diversas organizações realizaram protestos em Istambul durante o Fórum. A polícia coibiu, com gás lacrimogêneo e golpes de cassetetes, as manifestações e prendeu 17 ativistas turcos. Ao longo da semana, as entidades emitiram discursos, realizaram oficinas e painéis com o objetivo de chamar a atenção para a parcialidade dos componentes do Fórum.
A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que o número de pessoas com graves problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030, ou seja, metade da população do mundo. A maioria vive na China e sul da Ásia. As contas da OCDE não incluem o impacto das mudanças climáticas, que podem já estar afetando as coordenadas da água e mudando o lugar e o momento das chuvas e nevascas, segundo especialistas.
A água é o primeiro elemento que sofre os efeitos da mudança climática, disse em Istambul Mark Smith, da União Internacional para a Conservação a Natureza (UICN). Especialista em hidrologia, agricultura e florestas e diretor de programa da UICN, Smith reclama “sistemas de água mais fortes” para lidar com as secas e inundações extremas: “Se pensamos em seca, devemos olhar para onde os modelos climáticos projetam menos chuva. As regiões mais preocupantes são o Mediterrâneo, África Meridional, América Central e Ásia Central. Também vastos territórios da Austrália, que sofrem uma seca muito séria e prolongada”.
Quanto às inundações, prossegue Smith, a preocupação se concentra nos deltas baixos: “Há alguns onde vivem enormes populações, como Bangladesh e Holanda, e inclusive megacidades como Xangai e Nova York. Esses deltas também sofrem as conseqüências do aumento do nível do mar e, diante deste fenômeno, as pequenas ilhas são muito vulneráveis”, disse, em entrevista à IPS, durante o V Fórum Mundial da Água.
“A comunidade científica chegou ao consenso de que certa parte da mudança climática é hoje inevitável. Necessitamos de sistemas para o manejo da água que possam funcionar com inundações ou secas extremas, por exemplo. Isso implica assegurar o funcionamento de infra-estruturas como unidades de tratamento e represas. Também implica garantirmos que as bacias fluviais e seus ecossistemas estejam em boa forma e não sofram degradação, porque a natureza ou a infra-estrutura natural das bacias fluviais, amortizam os efeitos da mudança climática. A natureza nos ajudará a resistir ao fenômeno”, completou o autor do livro “Just one planet: poverty, justice and climate chance” (Um só planeta: pobreza, justiça e mudança climática).
A crise do capitalismo deve apenas aumentar o número de pessoas sem acesso à água potável. Segundo dados do Banco Mundial, apresentados durante o V Fórum Mundial da Água, a crise financeira global deve retardar em pelo menos uma década o desenvolvimento do abastecimento de água no mundo, porque faltarão investimentos e cada vez mais gente ficará sem condições de pagar as contas de água.
Segundo a análise, com a redução das verbas, pode ser retomado um círculo vicioso de serviços ruins, alta inadimplência e poucos investimentos. Enquanto isso, novos empreendimentos devem ser cancelados, e os projetos atuais de infra-estrutura hídrica podem sofrer pressões de custos. Uma das chamadas Metas de Desenvolvimento do Milênio, instituídas pela ONU no começo da década, é reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso à água potável. Atualmente, há cerca de um bilhão de pessoas sem acesso à água, e 2,6 bilhões sem saneamento básico.
Mas não é apenas a distribuição da água potável o problema apontado pelo Fórum como essencial. Respostas para a escassez do recurso provocada pelo crescimento da população, o consumo extravagante e o aumento da necessidade de energia também foram pontos importantes no encontro. O risco de conflito por enfrentamentos entre países por rios e lagos também foi ponto constante. A previsão é de que a população mundial, atualmente superior a 6,5 bilhões de pessoas, pode chegar a nove bilhões até meados do século, o que aumentará consideravelmente a demanda de recursos hídricos, a 64 bilhões de metros cúbicos por ano, também segundo dados da ONU.
(Por Clarissa Pont,
Carta Maior, 23/03/2009)