Abandonados pelo poder público, águas são asfixiadas em seus cursos e chegam quase mortas à foz
Responsáveis pelo abastecimento de 3 milhões de gaúchos — cerca de um terço da população do Rio Grande do Sul —, os rios dos Sinos e Gravataí agonizam. Abandonados pelo poder público, maltratados pelas populações ribeirinhas, machucados pela poluição industrial, usurpados pelos arrozeiros, eles vêm ao mundo nas nascentes, são asfixiados em seus cursos e chegam quase mortos à foz.
Um sofrimento diário que atinge, sem distinção, animais e seres humanos. O longo martírio de dois dos principais rios do Estado foi acompanhado por repórteres de Zero Hora, que navegaram pelo Sinos e Gravataí na quarta e na quinta-feira.
As águas cristalinas de Caraá que despencam de uma cachoeira de cerca de 120 metros para depois saciar quase 2 milhões de pessoas em nada se parecem com o que se vê nas cidades que mais precisam delas. Nos 190 quilômetros pelos quais se estende o Rio dos Sinos, de Caraá até Canoas, prevalece o descaso. Parte do lixo, dos produtos químicos e do esgoto despejados diariamente fazem dele um dos piores rios do Brasil, conforme a Agência Nacional das Águas — definição desonrosa também atribuída ao Rio Gravataí.
Quem navega pelo Sinos deve prestar atenção nos sofás, nas carcaças de TV, nos capacetes que podem estar pelo caminho. Sacolas e garrafas plásticas? Nem tente contar.
É o esgoto doméstico, aquele produzido nas residências de quem se beneficia do rio, o principal causador da tonalidade preta que o caracteriza próximo a centros como Novo Hamburgo e São Leopoldo.
Os dois municípios são os mais populosos do Vale do Rio dos Sinos e concentram a maior carga poluidora. Mas é no bairro Cruzeiro do Sul, em Taquara, que são flagradas cenas chocantes às margens do Sinos: um depósito desativado de lixo é disputado por moradores e porcos.
— Quando o poder público se omite dessa maneira, torna co-poluidor. Estamos entrando na fase das consequências. É possível arrumar todo esse estrago, mas para isso é preciso dar uma chance à natureza — diz o biólogo Jackson Müller, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), que trabalhou na retirada das 86 toneladas de peixes mortos nessas mesmas águas em outubro de 2006.
No Rio Gravataí, que sozinho abastece 1 milhão de pessoas, as punhaladas chegam por meio dos arroios Águas Belas, Barnabé, Feijó, Areia e Sarandi. Em vez de vida e oxigênio, eles levam toneladas de fezes humanas e animais para o leito. Na foz de cada um dos arroios, a água, quase parada, revela-se pastosa e negra.
Num trecho estimado em 20 quilômetros, entre Gravataí e Porto Alegre, depara-se com cachorros e cavalos mortos. Nas margens, acumulam-se sofás, pneus, fogões, garrafas pet, sacolas de lixo — centenas delas — e até geladeiras. Ao navegar pelo Gravataí, tem-se um perfil dos hábitos e costumes de milhares de moradores da Região Metropolitana.
A asfixia imposta ao rio tem nos peixes suas vítimas mais visíveis. Bolhas próximas à superfície, provocadas pela busca incessante de oxigênio, revela o sofrimento de piavas, jundiás, lambaris, cascudos, traíras.
— Aquilo que os porcos não comem vai para o Arroio Areia, que deságua no Gravataí. É triste ver peixes sem oxigênio — diz Paulo Roberto Müller, 56 anos, engenheiro mecânico e fundador da Associação da Preservação da Natureza do Vale do Gravataí, que acompanhou ZH em uma viagem pelo Gravataí, com José Amaro Hilgert, diretor-presidente da Fundação Municipal de Meio Ambiente de Gravataí.
(Zero Hora, 04/04/2009)