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kaiowá-guarani direitos indígenas cimi
2009-04-03
As condicionantes impostas durante o processo que efetivou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol como indígenas e que estabeleceu a determinação de que povos não-índios não podem viver naquela região trouxe muita preocupação para aqueles povos que estão em processos parecidos. Egon Heck nos concedeu esta entrevista por telefone, desde a fronteira entre o Brasil, Argentina e Paraguai, onde fazia um intercâmbio com os índios daquela região. Heck é coordenador do Conselho Indigenista Missionário – CIMI do Mato Grosso do Sul. De lá, ele fez críticas ao governo estadual e federal e ao agronegócio em relação à forma como estão se manifestando contra os povos indígenas, mas também enviou seu voto de confiança na luta e na cultura destes povos tradicionais. “Apesar de estar vivendo numa das situações mais duras do país hoje, eu continuo acreditando e confiando que a força dos povos indígenas os faça, mais uma vez, superar esse grande desafio, essa condenação que as forças da acumulação e do agronegócio dessa região estão querendo”, disse Heck. Confira a entrevista.

O que está em jogo no Mato Grosso do Sul?
Egon Heck – O que está efetivamente em jogo é a sobrevivência cultural do povo Kaiowá-Guarani, ou seja, se não forem garantidos as suas terras se estará acentuando o processo de etnocídio, que significa a negação do direito de vida de um povo conforme lhe assegura a Constituição e a Legislação internacional. Nós estamos bastante preocupados pelo nível de agressividade novamente desencadeado por parte de interesses contrários que sempre negaram o direito à terra e à sobrevivência com dignidade do povo Kaiowá-Guarani.

Que alternativas os empresários do agronegócio querem deixar aos povos indígenas da região?
Egon Heck – Infelizmente, parece que foi a das piores possíveis, ou seja, sete palmos para viverem embaixo do chão. Em cima do chão, eles não querem deixar lugar para os índios. Tanto é verdade que volta a se cogitar a transferência dos índios para outras terras distantes que não são tradicionais. Também se fala em dar terras improdutivas para os índios e de que neste governo do Mato Grosso do Sul não será dado nenhum pedaço de terra para os índios Kaiowá-Guarani. Então, essas questões todas são consequências de um processo em curso há mais tempo, mas que novamente recrudescem na total negativa de dar as terras aos índios. Apesar de pequenos lampejos de boa vontade e um processo de diálogo e negociação por parte de alguns políticos, estes são minoria e a grande maioria continua trabalhando na forte hipótese de revogar os grupos de trabalho que estão em curso, revogar os termos de conduta. Enfim, de não deixar com que o processo de reconhecimento, sequer de identificação das terras, prossiga conforme estaria previsto no regulamento do decreto que normatiza o reconhecimento das terras indígenas.

A Famasul, entidade do agronegócio, divulgou nota em que solicita aos padres da região que apóiem os produtores rurais nessa causa, uma vez que são eles que financiam as atividades da Igreja, e até do CIMI, no Mato Grosso do Sul. Qual a sua visão sobre isso?
Egon Heck – Eles não financiam o CIMI e até têm ódio de alguém que financie. É evidente que é mais uma estratégia do agronegócio para tentar criar divisões não só entre os próprios índios, mas entre entidades que os apóiem e, também, para tentar tumultuar. Isso faz parte da atual ofensiva de estratégia de impedir o reconhecimento de direito às terras. É extremamente lamentável e de baixo nível tentarem fazer esse tipo de articulação jogando uns contra os outros, pois isso nada mais é do que a repetição da velha estratégia colonialista de jogar uns contra os outros para fazer prevalecer o interesse dos mais fortes.

De que forma as decisões e condições dadas na semana passada em relação à Raposa Serra do Sol influenciam essa disputa no MS?
Egon Heck – Nós acreditamos, em primeiro lugar, que o bom senso comece a reinar dentro das diversas instâncias que têm responsabilidade sobre a vida e o futuro dos povos indígenas aqui no Mato Grosso do Sul. Isso é válido para o Judiciário, para o Executivo e para o Legislativo. Nesse sentido, apesar das sinalizações da decisão sobre Raposa Serra do Sol de colocar condicionantes e os interesses no Mato Grosso do Sul de se utilizarem de imediato desse discurso, principalmente das não-demarcações, da temporalidade e outros mais, o que, na verdade, acreditamos é que haja possibilidades de que os processos prossigam e haja uma coerência da decisão política do governo federal em levar adiante o processo de identificação das áreas. Isso nada mais é do que uma questão de justiça histórica, é uma questão de mínimo bom senso e de atitude política coerente com própria Constituição e com os compromissos que os governo deve assumir, tanto em nível estadual quanto federal.
Nós lamentamos profundamente que continue essa postura fechada por parte do governo estadual, que deveria se responsabilizar por todos os cidadãos desse estado. Os índios são, antes de mais nada, cidadãos que, talvez, deveriam ter mais direitos atendidos. Se existem culpas históricas nesse processo, deveriam ser assumidas, no sentido de pensar alternativas de indenização. Acreditamos que, apesar das furiosas manifestações para tentar impedir a continuidade do processo, prevaleça efetivamente o senso de justiça mínimo na continuidade de processos de regularização das terras e que haja, se crie e se busque condições de diálogo para enxergar as alternativas.

Os direitos dos índios foram cerceados com as condições impostas pelo STF?
Egon Heck – Queremos crer que essas condições que foram dirigidas para Raposa Serra do Sol não sejam utilizadas nem pelo Supremo nem por outras instâncias para o cerceamento dos direitos constitucionais, históricos, sagrados e internacionais dos povos nativos daqui. Ainda acreditamos que devam prevalecer de fato as orientações da Constituição, que deva ser aprovado o Estatuto dos Povos Indígenas em breve e que este normatize e oriente todos sobre estas questões, principalmente a questão de identificação, demarcação e regularização de terras. Além disso, que possamos, além de estar fazendo justiça aos povos de Raposa Serra do Sol, dar também o alento aos demais povos indígenas do Brasil.

Que futuro podemos prever para os povos indígenas no Brasil?
Egon Heck – Eu estou vivendo agora um momento de intercâmbio com os índios que vivem entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina. É um momento muito rico que, mais do que nunca, me faz vibrar e acreditar que a sabedoria histórica acumulada por estes povos os farão superar todas as adversidades que estejam se aproximando. Evidentemente, virão mudanças, em várias dimensões, desde a cultura até os processos sociais, mas haverá uma vivência com dignidade que possa contribuir para a construção desse projeto de Brasil mais justo. Apesar de estar vivendo numa das situações mais duras do país hoje, eu continuo acreditando e confiando que a força dos povos indígenas os faça, mais uma vez, superar esse grande desafio, essa condenação que as forças da acumulação e do agronegócio dessa região estão querendo.

Que ações são previstas agora em busca de uma solução para os principais problemas enfrentados pelos povos indígenas do Mato Grosso do Sul? Como essas ações podem modificar o futuro dos povos indígenas no Brasil?
Egon Heck – Mais do que nunca, os grandes desafios passam, num primeiro momento, pelo reconhecimento das terras e da responsabilidade histórica por espaços. Isso fará um bem para os povos indígenas, mas também para o meio ambiente e o Brasil. Eu acredito que os povos indígenas estão dispostos, têm consciência clara de que o caminho será por aí. Isso remete, uma vez mais, à grande responsabilidade de todos os brasileiros, de nos colocarmos, uma vez por todas, com a perspectiva de mudanças profundas da nossa lógica de destruição e constituir, com os povos indígenas e outros povos tradicionais, uma relação cultural e espiritual com a vida ameaçada. Que todos nós possamos estar nos enfileirando nessa trincheira para construção de uma nova sociedade.

Diante dessa realidade, o que é fundamental fazer neste momento?
Egon Heck – É fundamental que possamos exigir agilidade no processo de regulamentação das terras, do processo de aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas e dentro de uma ampla discussão com a sociedade para compreendermos os valores dos grupos humanos que têm forte relação com a terra. A construção de um novo modelo me parece a questão fundamental e indispensável que desafia a todos nós.

(IHUnisinos, 02/04/2009)

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