Levantamento realizado pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3) de ações judiciais envolvendo disputa de terras indígenas demonstra que conflitos entre índios e fazendeiros já estão há tempos deflagrados no Mato Grosso do Sul. Foram contabilizados 87 processos tramitando no Tribunal Regional Federal (TRF-3) sobre a questão, em grau de recurso.
São ações diversas, como mandados de segurança, ações declaratórias e possessórias, movidas por proprietários de terra, que tentam impedir judicialmente procedimentos iniciados pela Fundação Nacional do Íncio (Funai) para demarcação de territórios indígenas, que pedem que a Justiça reconheça a posse de terra em favor de fazendeiros, ou declare que suas fazendas não são tradicionalmente ocupadas pelos índios. Há ainda ações propostas pela Funai e também pelo Ministério Público Federal (MPF), nas quais se pede a continuação de trabalhos de demarcação ou outras medidas em defesa dos índios.
Em geral, para uma mesma terra indígena, costuma haver mais de uma ação tramitando. Como essas terras acabam por englobar áreas em que estão situadas diferentes fazendas, é comum que cada proprietário entre com uma ou mais ações na justiça para impedir que essa área possa ser reconhecida como área indígena. Além disso, como no TRF-3 as ações tramitam em grau de recurso, também há casos de diversos recursos diferentes para uma mesma ação originária.
Essa batalha judicial, no entanto, é apenas uma das faces desse conflito deflagrado no Mato Grosso do Sul e anterior à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Tais conflitos no Estado são marcados também por violência contra os índios, ameaças e mortes.
Assassinatos e indefiniçõesA constante tensão sobre a questão indígena no Mato Grosso do Sul ficou evidenciada em recente decisão do TRF-3. Em fevereiro, a corte determinou o desaforamento do Tribunal do Júri sobre o assassinato do cacique guarani kaiowá Marcos Veron, ocorrido no dia 12 de janeiro de 2003. O TRF-3 entendeu que o forte preconceito contra os índios não ficava limitado à comarca de Dourados, onde ocorreu o assassinato, mas em todo o estado do Mato Grosso do Sul e, por isso, não bastaria transferir o Juri para a capital do Estado, Campo Grande. Com isso, o julgamento será realizado em São Paulo para garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos supostos envolvidos no crime.
Veron fazia parte dos cerca de 200 guarani-kaiowás que reivindicam a terra indígena Taquara, em Juti (MS). Em 2001, uma decisão judicial determinou que os índios deixassem a fazenda Brasília do Sul, por eles ocupada. A desocupação da área foi feita pela polícia, que usou bombas de gás lacrimogênio durante o conflito com os índios. A imprensa não pôde acompanhar o trabalho dos policiais, tendo sida mantida a cerca de quatro quilômetros do local. Logo após a desocupação os índios ficaram acampados às margens da estrada MS-156.
Quando aconteceu o assassinato do cacique Marcos Veron, os índios estavam novamente acampados na fazenda Brasília do Sul. Somente em 2005, a Funai identificou a área como de posse tradicional daquela comunidade guarani kaiowá, por meio de laudo antropológico. O procedimento demarcatório ainda não foi concluído.
Outro caso emblemático da violência perpetrada contra os índios é o da terra indígena Ñande Ru Marangatu. No dia 28 de março de 2005, a demarcação da terra foi homologada por um decreto judicial. No entanto, o decreto foi liminarmente suspenso pelo então presidente do STF, Nelson Jobim, num mandado de segurança movido pelo pecuarista Pio Silva e mais 15 proprietários das terras desapropriadas.
A partir da decisão de Jobim, o TRF-3, em dezembro de 2005, determinou o despejo dos índios da terra Ñande Ru Marangatu. Um batalhão da Polícia Federal, contando com cerca de 200 homens, expulsaram os índios do local. As famílias foram deslocadas para beira de uma estrada, fazendo com que a Funai tentasse encontrar um abrigo provisório. No entanto, no dia 24 de dezembro de 2005, quando os índios ainda estava acampados à beira da estrada, seu acampamento sofreu um ataque e o guarani-kaiowá Dorvalino da Rocha foi assassinado com um tiro à queima-roupa, próximo à fazenda Fronteira, por seguranças contratados por fazendeiros da região.
TAC com a FunaiEm razão das incertezas ligadas à permanência na terra, aos conflitos com fazendeiros, a valorização do agronegócio, os guarani no Mato Grosso do Sul vivem situações, na maioria dos casos, desastrosas. Casos de morte por desnutrição, aumento de conflitos internos, alcoolismo e elevada taxa de suicídio confirmam esse diagnóstico.
Buscando agilizar o trabalho de identificação e demarcação de terras indígenas reivindicadas pelas comunidades guarani das etnias kaiowá e ñandeva, os chamados tekoha ("lugar onde realizamos nosso modo de ser"), o Ministério Público Federal fez um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a Funai, para que fossem constituídos grupos técnicos para identificação e delimitação, sem prejuízo de outras, das terras indígenas de Iguatemipegua, Douradopegua, Dourados/Amambaipegua, Brilhantepegua, Ñandeva e Apapegua.
Pelo TAC, a Funai deve publicar os resumos dos relatórios de identificação e delimitação dessas terras até 30 de junho e, até 19 de abril de 2010, encaminhar ao Ministério da Justiça os procedimentos referentes aos trabalhos realizados. Pelo TAC, o MPF se compromete a acompanhar o andamento dos procedimentos de demarcação a serem instaurados, para que os grupos de trabalho não tenham acesso impedido às terras indígenas a serem pesquisadas.
(Assessoria de Comunicação Social da Procuradoria Regional da República da 3ª Região /
Cimi, 02/04/2009)