Desde que o tema sustentabilidade entrou de vez na agenda dos negócios, tem crescido a procura por formação na área. A adaptação de currículos e metodologias às questões socioambientais é uma tendência irreversível para as escolas de negócios. Em pesquisa realizada pela Princeton Review, que elabora o ranking das 600 melhores universidades dos Estados Unidos, 63% dos estudantes declararam que o compromisso com a sustentabilidade influencia sua escolha por uma faculdade. Tão vasto quanto o conceito é a diversidade de programas relacionados ao tema. Por isso, estudantes e profissionais ainda enfrentam dificuldades para selecionar os cursos de graduação e especialização em sustentabilidade que mais se adequam às suas expectativas. Pensando nisso, desde 1999, o Instituto Aspem em parceria com o World Resources Institute (WRI) avalia MBAs de todo o mundo e relaciona as instituições líderes na integração de aspectos sociais e ambientais aos seus currículos. Intitulado Beyond Grey Pinstripes, o ranking apresenta os 100 programas que melhor têm preparado alunos para a nova realidade do mundo dos negócios a partir da ascensão do triple bottom line.
O Brasil segue a tendência global. As escolas de negócios deram início ao processo de adaptação de currículos ao criar áreas específicas para pesquisar novas metodologias e acompanhar a evolução dos debates relacionados ao desenvolvimento sustentável. Em 2001, a Fundação Dom Cabral inaugurou seu Núcleo de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa. A Fundação Getúlio Vargas, por sua vez, criou o Centro de Estudos em Sustentabilidade (CES), em 2003. A partir dos conhecimentos reunidos nesses núcleos de pesquisa, as instituições desenvolveram programas de especialização na área.
Lançado em 2005, o MBA em Gestão da Sustentabilidade da FGV tem como objetivo a formação de profissionais com uma visão estratégica para integração das questões socioambientais no negócio. "O novo paradigma demanda a formação de uma geração de empresários conscientes - para colocar em prática - que os sistemas econômicos são dependentes dos sistemas naturais, e não o contrário", afirma Luciana Betiol, pesquisadora do CES. O Programa de Gestão da Responsabilidade Social da Fundação Dom Cabral também tem como foco o desenvolvimento da visão sistêmica. Segundo Maria Raquel Grassi, gerente de projetos da FDC, cabe às instituições de ensino transformar os indivíduos, munindo-os de habilidades perceptivas mais amplas do que as oferecidas no ensino de técnicas, modelos e doutrinas.
Neste ano, a FDC dará início a um programa para formação de Lideranças Globalmente Responsáveis em parceria com a Petrobras. A iniciativa faz parte da proposta do Global Compact, da ONU, e do European Foundation for Management Development (EFMD), que desde 2004 discutem estratégias para formação de líderes capazes de conciliar desenvolvimento econômico, com o ambiental e social. "O que o Global Compact prega é a construção de modelos de ensino menos convencionais que, além de conhecimentos e habilidades, exercitem também atitudes e valores. Está-se diante de um desafio pedagógico de duas frentes: uma é inserir os elementos da sustentabilidade de modo transversal na grade dos programas de gestão de negócios; outra é criar proposta de educação mais horizontais e sistêmicos que encorajem a convivência com outros pontos de vista, ainda que dissonantes", afirma Ricardo Voltolini, consultor de Ideia Sustentável.
No SENAC, o grande desafio tem sido integrar as áreas social e ambiental, que vinham seguindo trajetórias independentes. A instituição possui cursos livres ligados às áreas de gestão e educação ambiental, assim como Terceiro Setor e projetos sociais. Em 2009, iniciou a sua primeira turma de pós-graduação em Responsabilidade Socioambiental Empresarial. "A discussão sobre sustentabilidade tem evoluído de forma muito rápida, exigindo que os profissionais se atualizem continuamente. Por isso, apostamos no desenvolvimento por competências para que os alunos aprendam a se adaptar aos novos conceitos e mudanças que estão por vir", ressalta Marly Batista dos Reis, coordenadora do programa de pós-graduação em RSE.
ProgramasVisando transformar radicalmente modelos econômicos e mentais para a promoção de uma sociedade socialmente justa e sustentável, uma nova geração de programas de desenvolvimento de competências coloca os indivíduos no centro da transformação cultural para a sustentabilidade. A proposta de ensino do Emerging Leaders Innovate Across Sectors (ELIAS), por exemplo, baseia-se na autoconsciência como fonte suprema para processos de inovação e mudança social. O programa, iniciado em 2006, foca-se no desenvolvimento de quatro competências específicas. A primeira, segundo Otto Scharmer, professor do MIT e um dos fundadores do ELIAS, é a capacidade de ouvir e dialogar. "A sustentabilidade envolve uma constelação de stakeholders com posições e formas de pensar diferentes. Se o líder não tiver a capacidade de ouvir essas opiniões não conseguirá conduzir nenhum projeto, cujo objetivo seja a sustentabilidade", destaca.
A segunda competência é a empatia e refere-se à capacidade de interpretar o mundo a partir da visão do outro, enxergando o sistema por diferentes ângulos. Já a terceira competência é o que Scharmer chama de open-will (vontade aberta). O desenvolvimento dessa capacidade requer o conhecimento e a vivência nas realidades que se pretende transformar, um movimento de ir aos lugares e observar suas dinâmicas para atingir uma fonte de conhecimento mais profunda. Transcender as barreiras que dividem governos, sociedade civil e empresas, construindo soluções coletivamente é o principal desafio enfrentado pelos líderes formados no programa. Para isso, eles contam com o suporte dos próprios colegas, conectados em uma rede internacional, e parcerias que se configuram no ambiente do curso. "Cabe aos participantes co-criar novas realidades e alcançar outros estágios de desenvolvimento à medida que completam os protótipos desenhados, o que representa fonte de inspiração para outros líderes", ressalta Scharmer.
ExperiênciaNo Team Academy, da Escola Politécnica de Jyväskylä, na Finlândia, os princípios de liberdade e responsabilidade não se chocam, o que pode ser percebido na rotina da instituição. As salas de aulas e as carteiras dão lugar a cômodos com janelas amplas e sofás confortáveis. Não existem professores, mas sim coaches que orientam os alunos conforme as necessidades. O programa corresponde a um bacharelado de administração, tem duração de três anos e as turmas reúnem até 30 estudantes por módulo. Já na primeira semana de estudos, os alunos realizam visitas nos empreendimentos locais para identificação de demandas. Com essas informações, elaboram um team project no qual trabalham ao longo de todo o programa a fim de desenvolver modelos de negócios adaptados a realidade local.
Modelos de aprendizagem coletiva à parte, a grande revolução promovida pelo Team Academy diz respeito à quebra de paradigmas. O que diferencia a experiência finlandesa do ELIAS, por exemplo, é o fato de desenvolver novos modelos mentais entre os jovens. Assim, esses futuros líderes são formados de acordo com uma lógica de negócios já afinada com os princípios do pensamento sistêmico. "Um dos aspectos mais importantes do programa é que os jovens compreendam as relações de interdependências. Essa visão deve orientar todas as atividades, até as individuais", destaca Satu Vainio, coach do Team Academy.
Planejamento estratégicoCom representação em nove países, o The Natural Step é uma organização não-governamental voltada à educação para uma sociedade sustentável. A grande contribuição da TNS está relacionada à definição de quatro condições sistêmicas para a manutenção da vida na Terra, junto com uma metodologia sobre como aplicá-las estrategicamente. Desde 2004, o TNS oferece um programa de mestrado, desenvolvido em parceria com o Blekinge Institute of Technology, que tem como foco o desenvolvimento de estratégias para tomada de decisão e lideranças para a sustentabilidade. Ao invés do tradicional forecasting, que estuda o passado para identificar tendências, o programa trabalha com o backcasting, propondo a definição do futuro desejado e, então, das estratégias de ação para atingi-lo.
Segundo o brasileiro Augusto Cuginotti, engenheiro mecânico que concluiu o mestrado do The Natural Step no ano passado, a clareza e praticidade no processo de tomada de decisão é o grande diferencial da metodologia. Além disso, a projeção de futuros por backcasting ganha o respaldo das quatro condições de sustentabilidade. "Funciona como um farol. Com essa referência, é possível olhar à frente e saber onde se deseja chegar, no lugar de apenas reagir aos acontecimentos. Dentro desse escopo, existem várias possibilidades, todas elas sustentáveis, pois foram planejadas conforme as condições da sustentabilidade", explica ele..
Aliando a teoria à práticaO programa da Escola Superior de Conservação e Sustentabilidade (Escas) foi o primeiro mestrado profissional em sustentabilidade a obter o reconhecimento da Capes no Brasil. Fruto da parceria entre o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e a Natura, a iniciativa tem como objetivo formar líderes capazes de criar e disseminar modelos inovadores de conservação da biodiversidade e de desenvolvimento sustentável.
O programa tem a duração mínima de 18 meses e máxima de 24 meses. No primeiro ano, o curso exige dedicação exclusiva dos alunos que deverão morar no campus da universidade, localizada na cidade de Nazaré Paulista, interior de São Paulo. "O profissional moderno deve atuar no triple bottom line. Ele precisa saber a conexão entre três pilares (ambiental, social e econômico)", destaca Cláudio Pádua, reitor da Escas e vice-presidente do IPÊ.
(Por Juliana Lopes, Revista Idéia Socioambiental /
Envolverde, 01/04/2009)