Uma tenda montada em frente à Assembleia Legislativa de Santa Catarina, em Florianópolis, abrigava na tarde desta terça (31/03) os agricultores que vieram do interior acompanhar a votação do novo código ambiental do Estado, proposto pelo governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB). Confiantes na aprovação da peça pelos deputados, o que ocorreu sem nenhum voto contrário horas depois, as cerca de 6 mil pessoas se alimentavam com de 2 mil quilos de carne suína e 14 mil pães, refeição custeada pelas entidades agrícolas que defendiam a aprovação das regras.
Com um microfone em um palco improvisado, representantes das entidades chamavam os agricultores para contar as dificuldades que enfrentam com a atual legislação ambiental. "Venham aqui, relatem os absurdos que já ocorreram, como as multas ambientais que foram injustamente aplicadas", estimulava Enori Barbieri, vice-presidente da Federação Agrícola de SC (Faesc).
"Não compramos pessoas para estarem aqui. Vieram por livre e espontânea vontade", disse Barbieri. Alguns agricultores tinham entendimento ao menos parcial da discussão que as entidades do setor agrícola encabeçam. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Orleans, no sul de SC, Camilo Bussolo, veio com 100 pessoas da sua cidade defender a aprovação. "O nosso município é uma encosta de serra. Se deixarmos 30 metros de distância a cada curso d'água, mais da metade das propriedades ficará inviabilizada."
As novas regras aprovadas são polêmicas principalmente porque preveem redução das distâncias das propriedades agrícolas em relação a cursos d'água. A lei federal estipula 30 metros de Área de Preservação Permanente (APP) para matas ciliares, enquanto a estadual, em linhas gerais, determina cinco metros para pequenas propriedades (até 50 hectares) e 10 metros para as superiores a 50 hectares. De acordo com entendimento de diversas pessoas ouvidas pelo Valor, por ser uma lei que difere da federal, ela só prevaleceria se fosse mais restritiva que a federal, mas o deputado Romildo Titon (PMDB), relator do projeto, preferia dizer que a questão da inconstitucionalidade era "uma suposição".
No entendimento de Titon, no entanto, "já há interpretações de que a lei federal estipula regras gerais e que cabe aos Estados determinarem as questões específicas, de acordo com a sua realidade". Segundo ele, o código tem esse propósito e "coloca o agricultor como amigo da natureza". Titon disse ainda que ficou "chateado" com a colocação da ex-ministra e senadora Marina Silva, que criticou o projeto em artigo na "Folha de S. Paulo". "Foi a reportagem mais infeliz que ela fez." E questionou: "Se ele for considerado inconstitucional, será que não vai ser bom chamar a atenção do Congresso Nacional para o problema?". Há planos de deputados de SC levarem o projeto para os presidentes do Senado e da Câmara Federal a fim de pressionar para que as mudanças na legislação ambiental federal, em discussão, deem mais autonomia aos Estados.
No total, foram 31 votos a favor do código e 7 abstenções. O deputado Décio Goes, do PT, o único partido contrário ao projeto, afirmou que não concordava com os 10 metros de APP para as grandes propriedades porque poderiam existir propriedades de 5 mil hectares preservando somente 10 metros de mata ciliar, mas depois se absteve na votação. O deputado Jean Kuhlmann (DEM), favorável ao código, disse que era "muito melhor ter leis feitas pelos catarinenses e aprovadas pelos catarinenses do que um conjunto de regras feito em Brasília".
Em nota, a procuradora regional dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal de Santa Catarina, Analúcia Hartmann, recomendou na tarde de ontem aos deputados que votassem contra. Considerou que "o projeto não servia ao objetivo de proteção ambiental e divergia, em pontos essenciais, da Constituição e da legislação federais". Analúcia relembrou ainda as recentes tragédias no Estado: "Os levantamentos realizados em Blumenau e no tristemente lembrado Morro do Baú indicam que a supressão da vegetação nativa e a ocupação das áreas de preservação permanente com construções e com reflorestamentos com espécies exóticas foram os principais responsáveis pela enormidade da tragédia de 2008."
Ambientalistas e membros da sociedade civil organizada, como a Federação dos Trabalhadores Familiares (Fetraf-Sul), em minoria na Assembleia, usaram nariz de palhaço e faixas que chamavam o novo código de retrocesso. Anja Steinbach, presidente do Instituto Esquilo Verde, de Blumenau, contou que participou das discussões do início do projeto, mas ele foi modificado e não representa a contribuição de ambientalistas. "Esse código vai facilitar a especulação imobiliária e o avanço das grandes propriedades." As propriedades com menos de 50 hectares representam 90% das propriedades catarinenses, mas são somente 45% das terras agriculturáveis.
(Por Vanessa Jurgenfeld,
Valor Econômico, 01/04/2009)