Os Amigos da Terra Brasil e os outros participantes da Assembléia de Povos Credores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), realizado em Medelim, na Colômbia, entre 25 e 29 de março e também os participantes do III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, realizado em Caucaia, Ceará, entre os dias 26 e 28 de março, divulgam a CARTA PÚBLICA endereçada ao presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, remetida também aos Ministros de Meio Ambiente, Minas e Energia, Planejamento, Chefe da Casa Civil brasileiros.
As dezenas de entidades manifestam o "rechaço à notícia de aprovação de um pacote de financiamento no total de US$ 197 milhões em empréstimos diretos deste Banco público para a empresa MPX, de propriedade do Sr. Eike Batista, considerado o homem mais rico do Brasil, para a construção de duas Termoelétricas a Carvão Mineral (UTE Pecém I e UTE Porto de Itaqui), respectivamente no Ceará e no Maranhão". Dentre outros motivos, por que trata-se de apoio a energia a carvão mineral onde todos sabem que o Brasil tem potencial para a geração de energia por fontes renováveis como a energia eólica, além de ser um empreendimento que vai "gerar emissões de gases de efeito estufa capazes de anular esforços de reduções de emissões".
CARTA PÚBLICAIlmo. Sr. Luis Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Com cópia para:Sr. Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente
Sr. Edison Lobão, Ministro de Minas e Energia
Sr. Paulo Bernardo Silva, Ministro do Planejamento
Sr. Guido Mantega, Ministro da Fazenda
Sra. Dilma Rousseff, Chefe da Casa Civil
Governadores e Diretores Executivos do Banco Interamericano de Desenvolvimento
Fortaleza, Ceará, e Medelim, Colômbia, Março de 2009
Ilmo Sr,
Nós, organizações e movimentos sociais brasileiros abaixo assinados, reunidos no III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, realizado no Ceará, e também em Medelim, por ocasião da Assembléia de Povos Credores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos manifestamos no sentido de tornar público nosso rechaço à notícia de aprovação de um pacote de financiamento no total de US$ 197 milhões em empréstimos diretos deste Banco público para a empresa MPX, de propriedade do Sr. Eike Batista, considerado o homem mais rico do Brasil, para a construção de duas Termoelétricas a Carvão Mineral (UTE Pecém I e UTE Porto de Itaqui), respectivamente no Ceará e no Maranhão.
Após 50 anos de operação sem divulgar os débitos de carbono gerados por seus projetos de energia fóssil na América Latina e no Caribe, nem contabilizar e reparar os impactos sociais e ambientais que seus projetos de energia e de infra-estrutura têm causado, em 2007 o BID anunciou, oportunamente, iniciativas no sentido da construção de uma política de combate às mudanças climáticas.
Muito nos espanta, portanto, que agora este Banco venha a aprovar um financiamento público desta monta para a geração de energia a carvão mineral em um estado brasileiro desprovido de tais reservas minerais, e reconhecidamente de enorme potencial para a geração de energia por fontes renováveis como a energia eólica – embora as condições para sua produção devam ser criteriosamente definidas, para evitar impactos às comunidades onde se instalam.
Somente um projeto como o da UTE de Pecém, de 700 MW, pretende queimar 2.281.250 toneladas de carvão mineral por ano e gerar emissões de gases de efeito estufa capazes de anular esforços de reduções de emissões, como o de todo o PROINFA (2,5 milhões de toneladas equivalentes de CO2 por ano evitadas pela geração de 3.300 MW de energia por fontes renováveis de geração de eletricidade como eólica, biomassa e Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs), reconhecidamente o maior programa governamental na América do Sul de incentivo às fontes alternativas de energia.
Além da termoeletricidade a carvão ser a fonte fóssil que mais contribui com gases de efeito estufa por unidade de energia gerada, estas termoelétricas devem constituir-se nas maiores fontes fixas de poluição atmosférica local nas respectivas regiões de instalação, com o lançamento de gases que são precursores da chuva ácida e da formação de ozônio de baixa atmosfera e de partículas inaláveis, causadores de danos à saúde ambiental e da população. A emissão destes gases precisa ser evitada e não pode ser total ou parcialmente compensada por plantações de árvores.
Para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), são esperadas a instalação de quatro termoelétricas – três delas a carvão mineral, inclusive uma da Companhia Vale do Rio Doce - além de uma siderúrgica com coqueria também a carvão mineral e uma refinaria de petróleo. Apesar da enorme dimensão destas obras, a avaliação ambiental estratégica não foi realizada.
Em cerca de dez comunidades atingidas do município de São Gonçalo do Amarante, onde está instalado o CIPP, vivem 351 famílias da etnia Anacé, além de outras tantas famílias que com elas convivem, conservando os ecossistemas locais, através de um modo tradicional de vida que garante a sua existência e a sustentabilidade. Elas não foram consultadas sobre o projeto, nem foram ouvidas nos processos de tomada de decisão. As lideranças locais denunciam que, na primeira fase da construção do Porto, 36 idosos morreram. Atualmente, estas famílias estão ameaçadas de desapropriação e expulsão, para a decretação de terras públicas, num flagrante desrespeito a seus direitos, inclusive aos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. Terras Públicas ou do Sr. Eike Batista e de outros investidores sedentos de lucro? Quantos mais morrerão? Pode este povo adaptar-se em locais que não seja o de sua raiz ancestral? O que a migração para a cidade trará de bom para ele? Esta é uma profunda injustiça ambiental, carregada também de racismo.
Em recente visita do grupo de trabalho Racismo Ambiental, vinculado à Rede Brasileira de Justiça Ambiental, à área Anacé, nos municípios cearenses de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, representantes da etnia denunciaram que, na área prevista para a construção da termoelétrica, haviam sido encontrados sítios arqueológicos e que os mesmos foram escondidos por funcionários da MPX com a clara intenção de impedir o surgimento de evidências históricas da presença indígena naquela região.
No caso do Maranhão, estão previstas seis termoelétricas, sendo uma delas a UTE Itaqui, do Sr. Eike Batista e outra da Companhia Vale do Rio Doce, a qual já apresenta outro projeto de energia térmica no município de Barcarena, estado do Pará, bastante questionado pelo Ministério Público estadual.
Afora a velha máxima de que “sempre se precisa de energia”, o que parece desculpar tudo, da parte dos governos federal e estaduais e da iniciativa privada, o que salta aos olhos nesses projetos é o completo desrespeito às legislações ambientais e de uso e ocupação do solo, como foi denunciado pelo Ministério Público Estadual do Maranhão e pela Defensoria Pública do estado do Ceará.
Nesse momento, parece que cabe aos estados do Maranhão e do Ceará a tarefa de sujar a matriz energética brasileira com esses projetos licenciados a toque de caixa pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão, pela Superintendência de Meio Ambiente do Ceará e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) , como uma forma encontrada por setores que planejam e executam a política energética brasileira para suplementar o fornecimento de energia em direção aos setores eletrointensivos.
A nosso ver, a geração de energia térmica no litoral do Maranhão e do Ceará distorcerá ainda mais o mercado de energia do Brasil porque dissemina aos quatros ventos a mensagem de que, sempre que necessário, o setor energético apelará para o carvão mineral em detrimento das energias renováveis.
Projetos tão controversos como termoelétricas a carvão e agrocombustíveis têm como único resultado o enriquecimento de setores já abastados à custa de impactos territoriais e globais que afetam negativamente aos povos da região. Portanto, a aprovação deste empréstimo significa que o Banco comemora 50 anos de existência explicitando sua enorme incoerência e incapacidade de responder ao alcance de seus objetivos, de desenvolvimento, de alívio da pobreza e de enfrentamento das mudanças climáticas.
Assim, o BID amplia sua dívida histórica, social e ecológica com o povo brasileiro. Razão pela qual exigimos a imediata suspensão do empréstimo recém aprovado e a reparação do passivo acumulado pelo BID ao longo dos seus 50 anos de existência. Não devemos pedir ou mesmo aceitar novos empréstimos até que se conheçam os verdadeiros impactos do financiamento do BID, através da realização de auditorias externas integrais, participativas e legalmente vinculantes.
Exigimos aos delegados do governo brasileiro presentes na 50ª Assembléia Geral do BID, que também acontecem na cidade de Medelim, que tenham a responsabilidade de impedir novos processos de endividamento público em nome de interesses privados e atendam as demandas do povo do Brasil e da América Latina pela defesa da ruptura imediata com o modelo de desenvolvimento que amplia as desigualdades e não respeita a natureza e o direito das populações locais, claramente exemplificado com estas duas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.
Participantes da Assembléia de Povos Credores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), realizado em Medelim, na Colômbia, entre 25 a 29 de março:Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Núcleo Amigos da Terra (NAT) – Brasil
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Participantes do III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, realizado em Caucaia, Ceará, entre os dias 26 e 28 de março:Associação em Defesa dos Reclamantes e Vitimados por Doença do Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio (ADRVDT/CPA)
Conselho Pastoral dos Pescadores Regional Bahia (CPP/BA)
Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente / Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
ORIASHÉ Sociedade Brasileira De Cultura E Arte Negra
Associação Movimento Paulo Jackson (AMPJ) – Ética, Justiça, Cidadania
Articulação Nacional de Agroecologia
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Associação de Maricultores da Baia da Ilha Grande
Associação dos Aquicultores e Pescadores da Pedra de Guaratiba
Associação dos Remanescentes de Quilombo de São Francisco do Paraguaçu
Associação Homens do Mar da Baia de Guanabara
Campanha Justiça nos Trilhos
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)
Centro de Cultura Negra do Maranhão
Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (CEPEDES)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
ECOA – Ecologia e Ação
Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria
Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN ), do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
FASE – Solidariedade e Educação
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Fórum Carajás
Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará
Fórum do Vale do Jequitinhonha
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)
Instituto Terramar
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento pelas Serras e Águas de Minas
Movimento Reage São Luís
Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Ninja), da Universidade Federal de São João del Rei
Nucleo Amigos da Terra (NAT) - Brasil
Núcleo TRAMAS, da Universidade Federal do Ceará
Povo Indígena Anacé
Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP)
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Rede de Integração Verde
Rede Jubileu Sul Global
Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (SAPE )
Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (SINSESP)
Sociedade Ambientalista Mãe Natureza
Sociedade de Direitos Humanos do Maranhão
Sócios da Natureza
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR-STM)
Terra de Direitos
Visão Mundial
Veja como foram os eventos:(Por Amigos da Terra Brasil, texto recebido por e-mail, 01/04/2009)