Ao longo dos 20 anos de batalhas judiciais, 6 mil autores da ação inicial já morreram. A ExxonMobil, com seus ganhos milionários e exércitos de advogados, pode fazer com que o caso Valdez permaneça nos tribunais durante décadas, enquanto os pescadores prejudicados vão morrendo pouco a pouco.Faz vinte anos que o navio petroleiro Exxon Valdez derramou ao menos 11 milhões de galões de petróleo nas águas prístinas no canal Prince William, no Alasca. As consequências do derramamento foram desastrosas e até hoje continuam sendo. O incidente teve um grande impacto no meio ambiente e na economia. No lugar de considerá-lo simplesmente como um caso de contaminação, Riki Ott acredita que o desastre do Exxon Valdez é uma ameaça fundamental à democracia estadunidense. Ott, que é uma bióloga marinha e pescadora comercial de salmão, natural de Cordova, Alasca, começa seu livro sobre o desastre, “Not One Drop” (Nenhuma gota), com uma citação de Albert Einstein: “Nenhum poblema pode ser solucionado com o mesmo nível de consciência que o gerou”.
O derramamento massivo se estendeu em 1900 quilômetros a partir do local do acidente, e cobriu 5150 quilômetros da costa e uma área de 25.900 quilômetros quadrados no total. Em 24 de março de 1989, Ott, que era membro do Conselho Diretor do Sindicato de Pescadores do Distrito de Cordova, estava inspecionando num vôo: “Era uma cena surreal. Era simplesmente maravilhoso, março, o amanhecer, as montanhas rosadas brilhando com a luz do sol e, de repente, chegamos ao local onde estava o convés vermelho do navio petroleiro, que é da largura de três quadras de futebol. A água mansa, de cor azul profundo, e esta mancha negra, como de tinta, que se estendia no mar”.
A notícia do derramamento ficou conhecida em todo mundo, e muita gente foi à cidade de Valdez, no Alasca, para começar a limpeza. A vida marinha foi devastada. Ott disse que quase meio milhão de pássaros marinhos morreram, além de 5.000 lontras marinhas, 300 ou mais focas da Groelândia e milhões de salmões jovens, ovos de espécies e espécies jovens. A morte dos ovos das espécies provocou impacto, ainda que retardado, de longo prazo na pesca do arenque e do salmão no Canal de Prince William. Em 1993, a indústria pesqueira estava quebrada. As famílias perderam seu sustento depois de terem tomado empréstimos para comprar botes obter permissões custosas de pesca. Mesmo que a pesca de salmão tenha melhorado, os arenques nunca mais voltaram.
Esta situação econômica desfavorável é uma das bases da ação legal contra a ExxonMobil, a maior empresa petroleira do mundo. O complexo litígio vem se prolongando há décadas, e a ExxonMobil está ganhando. Há 22.000 pessoas processando a ExxonMobil. Um júri outorgou uma indenização de 5 bilhões de dólares aos autores da ação, por danos e prejuízos, que equivalem ao que eram, naquele momento, os lucros da Exxon. Esta cifra foi reduzida pela metade no Tribunal Federal de Apelações, e finalmente foi reduzida a pouco mais de 500 milhões de dólares pela Corte Suprema. Ao longo dos 20 anos de batalhas judiciais, 6.000 autores da inicial da ação já morreram. A ExxonMobil, com seus ganhos milionários anuais e exércitos de advogados, pode fazer com que o caso Valdez permaneça nos tribunais durante décadas, enquanto os pescadores prejudicados vão morrendo pouco a pouco.
O poder da ExxonMobil para travar uma batalha contra dezenas de milhares de cidadãos fez com que Ott se unisse ao crescente número de ativistas que querem pôr as empresas em seus lugares, retirando-lhes seus status jurídico de “pessoa”. Uma decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos no século XIX deu às empresas o status de “pessoa”, dando-lhes o acesso a proteções amparadas pela Carta de Direitos.
Ironicamente, este direito surge da “Cláusula de Proteção Igualitária” da 14ª Emenda, adotada para proteger os escravos liberados das leis estatais opressoras depois da Guerra Civil. Historicamente, as empresas era habilitadas pelos estados para realizar suas atividades. Os estados podiam revogar a autorização das empresas se houvesse descumprimento da lei, ou se a empresa desempenhasse algum papel além do que lhe tinha sido autorizado.
Riki Ott me disse: “Durante os primeiros quarenta anos após a apropriação dessa lei, apresentaram-se 307 demandas judiciais, 19 das quais por parte dos afroamericanos e o resto por empresas. E, nesse momento, quando a Décima Quarta emenda foi aprovada para as empresas, surgiu isto que se chama pessoa empresarial. E a pessoa empresarial, aos olhos da lei, pode ter acesso a direitos, direitos humanos, à Carta de Direitos, a proteções constitucionais. Isso está errado. A palavra 'empresa' nunca aparece na Constituição nem na Carta de Direitos. É assim que perdemos a liberdade de expressão. Ainda temos, enquanto povo, a Primeira Emenda, mas essa também o tem as empresas”.
Considera-se liberdade de expressão das empresas inclusive contribuições em campanhas políticas e lobby no Congresso. As pessoas que descumprem a lei podem ser presas; quando uma empresa descumpre a lei – ainda que cometa crime doloso, provocando morte – as consequências não são mais do que uma multa, que a empresa pode cancelar via pagamento de impostos. Como diz Ott: “Se as leis conhecidas por 'three strikes and you're out' pode na prática pôr alguém em prisão perpétua, por que não acontece o mesmo com as empresas?”. A chamada reforma das leis de indenização(”tort reform”) do direito estadunidense está erodindo a capacidade dos indivíduos acionarem às empresas de modo a dissuadí-las do cometimento de atos ilícitos e a capacidade dos tribunais de avaliarem os danos e prejuízos, de modo tal que afastaria as empresas do cometimento de ilícitos.
Ott e outras pessoas redigiram uma “28ª Emenda” à Constituição que retiraria o status de “pessoa” das empresas, submetendo-as à mesma supervisão que existia nos primeiros 100 anos de história dos EUA. Com a atual crise econômica mundial e a crescente indignação pública com os excessos dos executivos da AIG e de outros beneficiários do resgate financeiro, poderia ser o momento agora de ampliar o compromisso público para acabar com o desequilíbrio de poder existente entre as pessoas e as empresas que têm solapado a democracia.
(Por Amy Goodman e Denis Moynihan,
Agência Carta Maior, 27/03/2009)
Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.
Tradução: Katarina Peixoto