O pior dos pesadelos é assistir, em um programa dominical chamado Globo Rural, o presidente do instituto responsável pela administração das unidades de conservação da natureza no nível federal, denegrir o objeto principal de sua responsabilidade. O mínimo que pode desejar aqueles que viram o depoimento do Presidente do Instituto Chico Mendes (ICMBio) é que ele seja demitido imediatamente.
As declarações de quem deveria primeiramente e mais que qualquer outro brasileiro, defender as unidades de conservação e as áreas de preservação permanente (as já bem conhecidas APPs), sobre quão injusto é se estabelecer unidades de conservação “onde tem gente” sem desapropriá-los imediatamente e; a necessidade de se mudar o Código Florestal, pareciam ser proferidas por um inimigo da biodiversidade e não por alguém que tem o dever de protegê-la e de defender as unidades de conservação, onde a biodiversidade encontra seu único porto seguro.
Porque será que o Presidente, funcionário de carreira do IBAMA, e agora presidente do ICMBio fez declarações tão renhidas contra sua própria função e tão perniciosa para o meio ambiente? Será que foi só para dar uma de “bom moço” para a TV? Será que foi pura covardia, ou, pior, será que foi de total desconhecimento do assunto?
O desavisado começou afiançando que os parques nacionais no passado “eram criados de forma arbitrária, sem se considerar as populações que viviam ou vivem dentro de seus lindes”. Esta afirmação contém uma inverdade grotesca. O Brasil, ao contrário de alguns países, se notabiliza por nunca ter tido confrontos físicos sérios em suas unidades de conservação. O fato de alguns governos, notoriamente o atual, não quererem dar os recursos suficientes para as necessárias desapropriações é só uma demonstração de descaso e de falta de prioridade com a conservação da natureza pelo Poder Público. E mais, a desapropriação das terras das unidades de conservação é a sua responsabilidade, senhor Presidente! Esqueceu?
O assunto desse Globo Rural foi sobre o buriti e as veredas e se mencionou e se mostrou bastante as áreas protegidas nos Gerais e dentre elas o Parque Nacional do Grande Sertão Veredas. Processo mais ameno que o de desocupação do Parque Nacional do Grande Sertão Veredas estabelecido em 1989, pelo então presidente da República José Sarney, é difícil. As famílias dos posseiros e pequenos proprietários participaram do processo de reassentamento durante mais de uma década e por se ter usado o instrumento de reforma agrária foram privilegiadas quanto à posse e domínio das terras onde escolheram para viver, fora dos limites do Parque Nacional. Este processo caminhou bem à época, pois os ministros responsáveis se empenharam em resolver o assunto. Além do mais, aquele parque, por ter sido contemplado com a conversão da dívida externa, o único, diga-se de passagem, pode pagar e empregar quase que exclusivamente pessoal da própria região dos Gerais.
Ou seja, Senhor Presidente, que é precisamente nesse Parque, em seu tamanho original, ou seja, 84.000 hectares, que protege as nascentes do rio São Francisco e Grande, onde não houve problemas com a população local. É precisamente nesse parque onde os problemas sociais foram bem resolvidos, para satisfação de todos.
Já em 25/11/2004 eu publiquei aqui mesmo, em O Eco, uma coluna com o título A Importância dos Botecos, sobre o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, onde eu dizia “Outro fato pouco comum no trato com Parques Nacionais foi o uso do instrumento de reforma agrária para sua regularização fundiária. Na área primitiva do Parque, ou seja, nos seus 84.000 hectares, foram cadastradas pela Funatura e posteriormente pelo Incra 90 famílias de posseiros e pequenos proprietários. Após anos de uma condução amistosa e prudente de desocupação, sempre com a participação ativa dos envolvidos, o Incra adquiriu, a pedido do Ibama, duas fazendas contíguas, para o reassentamento das 80 famílias que ocupavam ou ainda ocupam o Parque. Esta etapa foi alcançada com o apoio excepcional de dois personagens que merecem ser citados: o então ministro da Reforma Agrária, Raul Jungman e o então presidente do Incra, Sebastião Azevedo. O Parque tem, ainda, algumas fazendas no seu interior, mas caminha celeremente para seu domínio pleno pelo Poder Público. Este processo demonstra que, quando as autoridades realmente querem, pode-se desocupar uma área protegida sem conflitos e sem piorar as condições de vida das famílias pobres reassentadas. Ao contrário, melhorando-as notoriamente.”
Mesmo outros Parques Nacionais e outras áreas protegidas foram, principalmente nas décadas de 70, 80 e 90, escolhidos e indicados em documentos oficiais, tornados públicos, como o Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, documento este aprovado por conselhos interministeriais, caracterizados pela sua pluralidade, e pelo próprio Conama. Onde então houve o arbítrio mencionado por Vossa Excelência?
Por incrível que pareça coube somente ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, através de seus técnicos e Presidente, defenderem a legislação que protege, pelo menos teoricamente, as veredas, como áreas de preservação permanente. Eles fazem isso porque sabem que a Lei deve ser cumprida e porque sabem que as veredas são elementos biológicos altamente sensíveis e necessários para garantir o regime hidrológico, como o Globo Rural demonstrou. Também porque, como dito, a destruição dos buritizais, inclusive pelas queimadas que praticam, não vai resolver a pobreza rural e, ao contrário, vai agravá-la.
Porém o presidente do ICMBio não parou por aí. Ao saber das reivindicações de alguns pobres posseiros e/ou pequenos proprietários, para usarem os buritizais e as veredas, creio que do entorno das unidades de conservação ou até mesmo dentro delas, disse em alto e bom som que o Código Florestal brasileiro precisa olhar para essas injustiças sociais. Precisa ser adaptado à realidade local. Outra vez, foi infeliz, o presidente. Como se o uso das veredas iria tirar da pobreza aquelas famílias! O uso das veredas, com a destruição dos buritis só pode tirar mais água de uma região carente do recurso hídrico no país.
Creio que nem mesmo nosso performático ministro do meio ambiente iria tão longe aos desatinos ditos a favor da agricultura e pecuária que fazem os “veredeiros”. No entanto quem não poderia nunca fazê-lo é o presidente do ICMBio.
Como devem estar se sentindo os chefes dos Parques Nacionais e demais áreas protegidas, a ele subordinados? Como devem estar se sentindo todos aqueles que tanto batalharam para o estabelecimento do Parque Nacional Grande Sertão Veredas: desde a Funatura, ao famoso ambientalista Ângelo Machado que com Célio Vale, propuseram o Parque Nacional, cujos limites foram escolhidos pelos professores da UNB, técnicos da Funatura, da WWF, da então SEMA , com o suporte do hoje presidente do Ibama, Roberto Messias, da Abema, de José Pedro de Oliveira Costa e até de Paulo Nogueira Neto, entre muitos outros?
É, parece que muitas das autoridades que hoje aí estão querem acabar mesmo com as unidades de conservação de uso indireto dos recursos naturais e até incentivam a indisciplina e a desordem como quando o presidente do ICMBio disse naquele mesmo programa que os pequenos agricultores não necessitavam chegar até Brasília para usarem as folhas, sementes e frutos dos buritis e as veredas, que a quantidade não seria significativa. Errou, senhor presidente do ICMBio: Nem Vossa Excelência pode autorizar o uso e a degradação de Áreas de Preservação Permanente pelo só efeito da lei.
Ao contrário, seu dever é o mesmo daquele do pessoal do Instituto Florestal de Minas Gerais: defender os Gerais. Vá conhecer a realidade no campo, Senhor Presidente: Informe-se como tudo lá aconteceu e, ao invés de se curvar para pretensamente agradar um repórter bem intencionado, mas neófito no tema, erga a cabeça e peça demissão, antes que seu Ministro se veja obrigado a destituí-lo, para evitar mais dano ao patrimônio que a nação encarregou precisamente a Vossa Excelência de cuidar.
(Por Maria Tereza Jorge Pádua,
O Eco, 23/03/2009)