O problema do uso na irrigação se dá justamente nos períodos de estiagem, quando se mais precisa de água para abastecimento público. "Temos que aprender a regrar e proteger ambientes que conservam a água como os chamados serviços ambientais", afirma a geógrafa do DRH/RS, Elaine dos Santos, ao lembrar da importância de preservar florestas e solos porque são fundamentais para a conservação dessa água depois utilizada.
Segundo o método consagrado pelo departamento gaúcho os conflitos pela água são de dois tipos básicos: por quantidade e/ou qualidade.
A região com maior conflito de uso dos recursos hídricos é a Fronteira Oeste, nas bacias dos rios Santa Maria, Negro e Camaquã. Na capital o problema é maior nos trechos de rios que cruzam a Região Meropolitana(Ex.: Caí, Sinos e Gravataí). Outras regiões também estão críticas como a região Noroeste, pelo crescimento das lavouras de soja e milho, muito irrigadas. Além da falta, outros problemas com os recursos hídricos são: poluição industrial de diversos segmentos, esgoto doméstico e contaminação por agrotóxicos.
Desafios O maior desafio é a racionalidade em seus diversos usos. Ao lembrar da preservação das florestas e do solo como forma de conservar os recursos hídricos, Elaine reforça a necessidade de respeito às regras do jogo. Ou seja, prezar pelo cumprimento das leis e códigos vigentes. Cita a Silvicultura como exemplo. Defende a indispensabilidade de respeitar ao Zoneamento Ambiental elaborado pela Sema, que é, segundo Elaine, um instrumento para definir áreas onde o plantio de árvores para fins comerciais causarão menor impacto. Caso contrário, diz ela, haverá um custo não só ambiental, mas
também social. A geógrafa lembra que toda atividade precisa ser monitorada se começar a surgir respostas negativas, inclusive com a revisão dos licenciamentos. "O Estado precisa de um gerenciamento mais adequado de suas águas", defende.
Outro fator que contribui para a escassez da água, diz respeito, sobretudo à poluição industrial. Conforme Elaine existe uma pressão muito grande na Região Metropolitana com o lançamento de esgoto domiciliar e industrial nos rios, além da atividade agrícola como a Suinocultura. Outro ponto desfavorável às grandes cidades é a alta impermeabilização dos seus solos. “O processo de gestão está relacionado diretamente com o regramento de atividades econômicas”, conclui Elaine.
Pró- Irrigação RSControverso, o Pró-Irrigação/RS foi aprovado por unanimidade em 14 de novembro de 2008 por meio do Projeto de Lei 235/2008 pela Assembléia Legislativa do Estado. Alardeado pelo atual governo, ainda durante a campanha, como forma de atenuar os efeitos da estiagem no Estado, teve os primeiros recursos, cerca de 20 milhões de reais, liberados em 9 de dezembro do ano passado. É oriundo do Orçamento do Estado e do Fundo de Investimentos de Recursos Hídricos, instituído há mais de três décadas, e que hoje é rateado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Secretaria Especial de Irrigação e de Obras.
O secretário especial de Irrigação, Rogério Porto, explica que este montante está servindo para construção da primeira leva de 500 micros açudes que já possuem projetos aprovados pela secretaria e produtores capacitados pela Emater. O objetivo do Governo do Estado é de construir 16 mil micro açudes até o fim do mandato atual consumindo valor aproximado de R$ 1 bilhão.
Por decisão da secretaria, a primeira leva será custeada integralmente pelo Estado, desde que, para cada micro açude feito, seja executado um outro neste ano com as despesas custeadas pelas prefeituras e com a participação dos beneficiários. Além desses novos açudes, a secretaria pretende colocar em operação cerca de 170 mil açudes já construídos, mas que se encontram em situação irregular, sem outorga, por exemplo. “Muitos deles não estão regulares como a legislação vigente porque são muito antigos”, explica Porto, que também é geólogo e economista.
A Emater é responsável pela capacitação dos agricultores e pela elaboração dos projetos de construção desses açudes. A regra básica é a de não afetar Áreas de Proteção Permanente (APPs).
O secretário explica que a área de alague dos açudes está limitada a cinco hectares por propriedade. Com relação à polêmica levantada pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Assembléia de que o projeto iria acabar com a necessidade de licenciamento ambiental, o secretário destaca que o artigo 8 do PL foi debatido à exaustão inclusive com a inclusão de cláusula garantindo o respeito a legislação ambiental. “Garanto que não afetará em nada a legislação ambiental, porque não há interesse algum em alterar a lei vigente”, afirma.
O PT conseguiu emplacar duas emendas ao projeto (artigos 6 e 15), sendo que uma delas garante a competência à Secretaria de Irrigação a coordenação e execução de todos os serviços e obras de engenharia para a construção de cisternas, micro-açudes, açudes e barragens, bem como promoção da irrigação e dos usos múltiplos da água. O PL ainda garante, no artigo 7, a atribuição do licenciamento ambiental à Sema, conforme previsto na Lei 2.434 de 1954.
Já o polêmico artigo 8 ficou da seguinte forma. “O licenciamento ambiental para implementação de acumulações de águas para fins de irrigação e usos múltiplos deverá considerar que, no Estado do Rio Grande do Sul, a menor influência do trópico úmido durantes os meses de dezembro a abril, determina condições de produção desfavoráveis com técnicas de sequeiro, sendo de interesse social ou utilidade pública qualquer forma de acumulação de água”. Porto explica que o artigo visa acelerar as licenças para a construção de açudes, que hoje são demoradas.
De acordo com ele, o funcionamento dos micros-açudes basicamente se dá com a captação das águas da chuva, que naturalmente acabam retornando para os oceanos sem serem aproveitadas. “Vamos captar essas águas das chuvas que iriam para os oceanos por escorrimento superficiais”, explica. Segundo dados da Unesco, cerca de 23% das águas pluviais têm como destino áreas superficiais, indo o restante para os oceanos.
Arroz satânicoSatanizados por muitos, os plantadores de arroz do Estado são apontados como os principais beneficiários do projeto de irrigação de Yeda Crusius. Mas para o secretário Porto, tal acusação não procede já que dos 11 mil produtores de arroz do Rio Grande do Sul, 10 mil têm propriedades de menos de 20 hectares. “Se você limitar a área que será beneficiada, vai atingir essa gama de pequenos arrozeiros”, explica. De acordo com o secretário, que também é geólogo de formação, o arroz repõe 90% do ciclo hidrológico por meio de evaporação e palha retida no ambiente.
Porto argumenta que a escolha da Metade Sul para os primeiros açudes é devido à baixíssima incidência de chuva no verão e lembrou que existem muitos assentamentos e pequenos agricultores que produzem leite e precisam da irrigação.
Conforme o gerente –regional do Instituto Gaúcho do Arroz (Irga), Marcos de Souza Fernandes, as lavouras de arroz da Metade Sul e Noroeste do Estado já sofrem com os efeitos da estiagem que se avizinha. Ele comenta que o nível da lagoa Mirim está abaixo do normal por causa dos ventos. Segundo Fernandes, mesmo que os produtores acionem um levante de emergência (até início de dezembro, seria o segundo), o que aumentará os custos, as quedas de energia registradas nos últimos dias impedem o funcionamento das bombas em tempo integral.
Para o secretário Porto, em países como a Espanha, a ordem de importância para os usos da água é abastecimento humano, em primeiro lugar; irrigação, em segundo; e outros usos, em terceiro; enquanto, no Brasil, a prioridade é a navegação interna e o abastecimento humano. "É preciso dar ao acúmulo de água para irrigação, ainda que isso afete a mata ciliar, tratamento similar ao que se dá ao abastecimento humano. Hoje se flexibiliza o abastecimento, mas não a produção de alimentos. As pessoas bebem água tratada, mas não têm alimento".
Referências ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Programa Nacional de Desenvolvimento
dos Recursos Hídricos - PROÁGUA Nacional, 2007.
ECOPLAN ENGENHARIA. Ltda. Plano Estadual de Recursos Hídricos do Rio
Grande do Sul. Relatório Síntese da Fase A – Diagnóstico e Prognóstico Hídrico
das Bacias Hidrográficas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Junho de 2007,
REDE DAS ÁGUAS - Outorga dos direitos de uso da água.
Relatório Anual sobre a situação dos recursos hídricos no Estado do Rio Grande do Sul. Departamento
de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Porto Alegre, janeiro de 2009.
(Por
Carlos Matsubara, Ambiente JÁ, fevereiro de 2009)