Produtos fabricados com substâncias tensoativas à base de açúcares são atualmente o principal exemplo de aplicação em larga escala da “química verde” – um conjunto de diretrizes voltado à redução do impacto ambiental dos processos químicos. Mas a importância econômica dessas substâncias não para por aí: elas têm potencial para ser empregadas até mesmo como vetores não virais para a terapia gênica.
Reunir os crescentes avanços acadêmicos e tecnológicos da comunidade internacional sobre os tensoativos – ou surfactantes – à base de açúcares é o objetivo do livro Sugar-Based Surfactants: Fundamentals and Applications, lançado nos Estados Unidos. A obra apresenta artigos de pesquisadores de dez países, incluindo o Brasil.
Omar El Seoud, professor titular do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), e sua orientanda de doutorado Paula Galgano foram os responsáveis pelo capítulo Tensoativos à base de açúcares: Fundamentos e aplicações. Além dos brasileiros, a obra, organizada por Cristobal Ruiz, da Universidade de Málaga, na Espanha, traz artigos de pesquisadores da própria Espanha, da Itália, Suécia, Holanda, Japão, Alemanha, França, Estados Unidos e Irlanda.
“Escrevemos sobre a síntese, as propriedades e as aplicações de tensoativos iônicos – isto é, os que têm carga – à base de açúcares. Trata-se de um tema importante para o Brasil, porque nossa situação é muito privilegiada para a produção em larga escala, já que temos grande disponibilidade de açúcares, como glicose e frutose, assim como de ácidos graxos, permitindo ampla gama de aplicações”, disse Seoud à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador do Laboratório de Tensoativos e Polímeros do IQ-USP, os tensoativos à base de glicose (ou alquil poliglicosídeos) estão sendo empregados em algumas formulações de limpeza doméstica no Brasil. Os surfactantes à base de sacarose e sorbitol (ou glicose reduzida) são amplamente usados nas indústrias de alimentos, cosmética e farmacêutica, especialmente como solubilizantes e emulsificantes.
Seoud conta que esses surfactantes têm baixo custo, são produzidos com matérias-primas renováveis, são biodegradáveis e biologicamente compatíveis – o que é importante para as aplicações médicas. “Eles seguem os princípios da ‘química verde’, já que não há resíduos: tudo o que entra no processo de fabricação sai no produto. Isso é importante porque a principal fonte de tensoativos hoje é o petróleo e há urgência em buscar fontes alternativas para matéria-prima desses produtos”, explicou.
Terapia gênicaSeoud é o pesquisador responsável pelo Projeto Temático “Sintese, propriedades e aplicações de tensoativos e biopolímeros funcionalizados: Um enfoque de química verde”, apoiado pela FAPESP. Ele explica que a estrutura de um tensoativo consiste em uma “cabeça” iônica – ou polar – e uma cauda apolar. Na maior parte dos detergentes de uso doméstico hoje existentes no mercado eles são baseados no petróleo. A “cabeça” é de benzeno sulfonato de sódio e a “cauda” consiste em um alcano ou um hidrocarboneto.
“Já nos tensoativos à base de açúcar, a ‘cabeça’ é de glicose, sacarose ou frutose, enquanto a ‘cauda’ consiste em um ácido graxo ou um álcool graxo – ambos obtidos a partir de gordura”, disse. Os tensoativos iônicos produzidos no laboratório do IQ-USP são feitos à base de aminoglicose, açúcar extraído da quitina, um carboidrato que compõe as cascas de camarão e de crustáceos em geral.
“A partir de um processo químico, essa quitina é transformada em quitosana. Esses dois carboidratos, ou açúcares, têm vários usos, porque são biocompatíveis. Podem ser usados, por exemplo, em curativos semelhantes a filmes plásticos, para tratamento de queimaduras, levando o princípio ativo para o organismo”, disse.
Além de aplicações em detergentes, pastas de dentes e fármacos, os tensoativos à base de açúcares poderão ser usados como vetores não-virais (que não usam vírus) para terapia gênica, com potencial para aplicação em doenças infecciosas, cardiovasculares, fibrose cística, doença de Parkinson e alguns tipos de câncer.
Segundo Seoud, a alternativa teria diversas vantagens em relação aos vetores virais: simplicidade e baixo custo de produção, compatibilidade com o sistema imunológico e alta capacidade de transfecção in vitro – introdução de uma molécula de DNA em uma célula.
“O protocolo viral é muito preciso, porque o vírus contorna todas as dificuldades para chegar ao interior da célula levando o DNA sadio. Mas envolve também grandes problemas, por lidar com um vírus no corpo humano, representando certo risco de toxidez, ou provocando uma reação imunológica”, indicou.
No protocolo não viral, o DNA e um tensoativo catiônico – que pode ser feito à base de açúcar – formam um complexo. “A associação entre o DNA e o lipídio catiônico ajuda a proteger o DNA contra a degradação, facilitando sua incorporação na célula. Embora menos eficiente que o protocolo viral, esse método é mais seguro, de baixo custo e poderia ser aplicado em larga escala”, disse.
(Por Fábio de Castro,
Agência Fapesp, 25/03/2009)