O procurador geral da República, Antonio Fernando Souza, contestou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) que impôs condições para a demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol durante o julgamento da questão, realizado no último dia 18 de março.
O documento, que pode ser acessado abaixo na íntegra, foi enviado ao STF às vésperas da conclusão do julgamento que decidiu pela homologação em terras contínuas da TI Raposa Serra do Sol, porém com algumas condições. O memorial do MPF se refere às 18 condições impostas pelo voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
Na compreensão do Ministério Público, não cabe ao STF traçar "parâmetros abstratos de conduta", propondo condições para a demarcação de Raposa Serra do Sol, especificamente, e de outras terras indígenas.
O procurador considera que os princípios do Estado democrático e da separação de poderes impõem limites que foram ultrapassados com as condicionantes. "Entende o Ministério Público Federal que essa Suprema Corte deve, no julgamento do feito, se limitar à apreciação dos pedidos formulados pelas partes, sem impor condições genéricas para casos presentes e futuros envolvendo terras indígenas".
Além disso, o procurador identifica, na decisão judicial, ofensas à Constituição Federal e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção é uma norma internacional que fundamenta direitos dos povos indígenas e foi ratificada pelo Brasil em 1989, embora seu conteúdo ainda dependa de regulamentação por uma lei nacional para que possa ser aplicada. Segundo o MPF, com a decisão do STF, esses direitos foram colocados em posição de inferioridade com relação a outras garantias, como a segurança nacional e o desenvolvimento econômico.
CondiçõesO procurador da República critica abertamente nove das 18 condições impostas pelo ministro do STF, Menezes Direito. Por exemplo, a condição que diz que a União pode construir equipamentos públicos, estradas e redes de comunicação sem a necessidade de diálogo com os povos indígenas pode, segundo o procurador, "gerar efeitos nefastos sobre a vida das comunidades, afetando a sua cultura e suas tradições e comprometendo o seu modo de vida".
As condições de número oito e nove também foram questionadas. Elas dizem que o usufruto, por índios, de área afetada por unidades de conservação será restrito e posto sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). "Nas duas condicionantes, atribui-se prioridade à tutela do meio ambiente, em detrimento dos direitos das comunidades indígenas, em desarmonia com a Constituição", explica o procurador, e conclui: "deve-se buscar a conciliação entre estes dois relevantíssimos direitos fundamentais no caso concreto, resolvendo eventuais conflitos pela via da ponderação e do princípio da proporcionalidade, e não sujeitar o primeiro ao segundo".
No final do documento, o procurador pede a rejeição de todas as condicionantes. "Em face do exposto, espero que essa Suprema Corte rejeite todas as condições sugeridas no voto do eminente Ministro. (...) Caso assim não entenda essa Corte, requeiro que sejam rejeitadas as condições número um, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze e dezessete".
19ª CondiçãoNa conclusão do julgamento, entretanto, não só as condicionantes foram aceitas como o Supremo adicionou mais uma: "É assegurada a participação dos entes federativos durante o processo demarcatório". Essa condição exige a participação de estados e municípios na demarcação de novas terras indígenas.
Além disso, índios criticam a condição, não expressa na lista, embora aceita em entendimento geral entre os ministros, de que a data da Constituição de 1988 passa a ser o ponto de referência para futuras demarcações. Por esse parâmetro, povos que foram expulsos de suas terras antes da aprovação da Constituição Federal, por exemplo, não teriam direito à demarcação.
As condições foram consideradas pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, como um "estatuto da demarcação de terras indígenas".
(Por Bruno Calixto,
Amazonia.org, 24/03/2009)