A recente discussão virtual entre o jornalista Alexandre Mansur, da revista Época, e a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) mostra em que pé está a questão climática no Brasil. Mansur acusa Ideli de representar os interesses do setor carbonífero, e por isso questiona se ela é a pessoa certa para assumir a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas. A senadora responde com seus feitos como presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Carvão Mineral.
De ambos os lados há imprecisões e propaganda travestida de informação. Primeiro que é relativo dizer que o carvão é o combustível fóssil "que mais poluí", como publica a revista Època. Comparativamente pode ser. Para cada tonelada de combustível queimado o carvão é o que tem o pior balanço energético (energia produzida X resíduos, emissões etc). Mas no cálculo absoluto é fundamental analisar as especificidades geopolíticas. No Brasil, por exemplo, o mineral ainda é uma fração da emissão de gases estufa. Já o desmatamento...
Também é falso dizer que "EUA, Europa e até China começam a executar políticas para reduzir o uso de petróleo e carvão". Tirando o jogo de cena e a pirotecnia política, nenhum país do mundo conseguiu efetivamente implementar políticas para reduzir o uso de combustíveis fósseis. O que comanda essa área é a segurança energética. A própria Agência Internacional de Energia prevê aumento do consumo mundial desses insumos para os próximos 30 anos. Mais uma vez, comparativamente sim. É previsto uma desaceleração no aumento do uso de petróleo, gás e carvão, em comparação com outras fontes de energia.
Já os argumentos reunidos pela assessoria de imprensa de Ideli para defender sua posição também não fazem melhor. A aposta tecnológica da queima limpa do carvão é um tiro no escuro. Isso mesmo em países de ponta no desenvolvimento de tais processos. A Alemanha tem dois ou três projetos pilotos em pequena escala, e já admite que talvez a solução definitiva para o problema chegue tarde demais. A mesma coisa para a captura e armazenamento de carbono. A Vatenfall, maior geradora fóssil da Europa, admite que tal tecnologia não estará disponível em larga escala em menos de 15 anos. O que falta é a difícil, mas preponderante equação da viabilidade econômica.
Sobre os investimentos que a senadora ajudou a obter, como do Centro Tecnológico de Carvão Limpo, ou para a Recuperação Ambiental da Bacia Carbonífera em Santa Catarina, basta dizer que, olhando para o tamanho do problema, eles são pífios. Uma única usina com captura e armazenamento de carvão planejada para entrar em funcionamento em 12 anos na Alemanha prevê um investimento de 2,5 bilhões de Euros. Além disso, toda a política para enfrentar o passivo carbonífero está enviesada. Hoje o poder público arca, quando consegue, com os efeitos negativos de uma atividade privada. As geradoras, tranportadoras e mineradoras pagam muito pouca compensação pelo lucro que extraem do carvão.
Falta dizer que, para o governo atual, assim como para os anteriores, o "setor produtivo" (interessante conceito) é a prioridade. Seja por conta do financiamento das campanhas eleitorais, como pelos dividendos políticos que a simples geração de emprego e renda traz. Ou seja, em tempos de crise financeira a mudança climática não é prioridade factual. Nem no Brasil, nem em nenhum país do mundo.
(Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 24/03/2009)