Do lado da Colômbia, a explicação está em questões físicas. O governo central, localizado na parte andina do País, sempre viveu de costas para a região amazônica, embora esta represente 47% do território nacional.
Do lado Brasil, a questão é geodésica. Quando o artigo 149 da Constituição de 1946 determinou que 3% da receita do governo federal seriam destinados ao desenvolvimento da região, vários Estados se candidataram para integrar a chamada Amazônia Legal. Hoje, com o avanço do agronegócio, há uma tendência inversa, com alguns querendo fugir das travas impostas pela necessidade de preservação ambiental.
Pelo lado peruano, o problema é que os projetos de desenvolvimento não consideram o comportamento natural do homem da floresta; querem que ele aja segundo as regras do capitalismo.
Estes são, em síntese, os problemas apontados na mesa-redonda “Por que não funcionam os projetos de desenvolvimento na Amazônia?”, que contou a participação de especialistas do Brasil, da Colômbia e do Peru. A discussão ocorreu na Reunião Regional da SBPC em Tabatinga, cidade amazonense localizada onde o território brasileiro faz fronteira com a Colômbia e com o Peru.
“Os projetos de desenvolvimento da Amazônia sempre foram supostamente racionais”, diz o pesquisador Alfredo Wagner Berno de Almeida, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). “Mas, por trás de todas as propostas, sempre predominaram interesses mercantilistas”, afirmou ele durante a mesa-redonda. Atualmente, por exemplo, o que impera é reestruturação das terras, com pressões do setor produtivo em cima das áreas indígenas, quilombolas e das reservas florestais.
Segundo Almeida, o projeto de desenvolvimento da Amazônia atualmente está focado na infraestrutura, mas não funciona devido ao autoritarismo com que o governo trata as questões da região. O pesquisador observa que as peculiaridades da Amazônia, que deveriam ser levadas em conta por meio dos agentes sociais regionais, nunca foram inseridas em qualquer projeto de desenvolvimento, neste ou nos anteriores. “Mesmo as consultas públicas, quando feitas pelos órgãos que deveriam buscar a representatividade da sociedade, não passam de medidas burocráticas com alcance limitado.”
Imaginário da Amazônia De acordo com o pesquisador colombiano álvaro Gomes Suarez, da Universidade Nacional da Colômbia (UNAL), a dificuldade de inserir a Amazônia real nos projetos de desenvolvimento também está associada, no caso da Colômbia, à desarticulação física da região em relação ao resto do País, à diversidade cultural, à baixa densidade demográfica, à economia extrativista e às peculiaridades e singularidades da região.
“A Amazônia percebida pela nação é aquela onde reinam a pobreza e o contrabando e está cheia de índios, a Amazônia controlada pelo Estado é focada na defesa da fronteira, mas a Amazônia vivida pela sua população é outra”, diz Suarez. “Há pouco tempo foi proposto um projeto de produção de biocombustível a partir de uma planta da região; havia dinheiro em caixa e muita disposição, mas o governo se esqueceu de um detalhe: a população não tinha o domínio da monocultura, condição fundamental para viabilizar o projeto.”
Onde está a fronteira? Para quem vive na Amazônia profunda, especialmente a região de fronteira com outros países, não há nacionalidade. No caso de Tabatinga (Brasil), Letícia (Colômbia) ou Islândia e Santa Rosa (Peru), os moradores falam “portunhol”, usam pesos e reais como moeda corrente, convivem na heterogeneidade e enfrentam problemas similares de sobrevivência. “A verdadeira fronteira – esta quase intransponível – está no modo como o sistema capitalista lida com as questões da Amazônia”, diz o pesquisador peruano Jorge Gasché Suess, do Instituto de Pesquisas da Amazônia Peruana (IIAP).
Segundo Suess, a palavra sustentabilidade virou moda nos discursos dos políticos. “Os políticos imaginam os benefícios que podem oferecer à população da Amazônia, põem em prática, mas o resultado é um campo de ruínas de projetos”. A questão central, diz o pesquisador, é que todos os projetos são baseados no pressuposto monetário: mais dinheiro, mais consumo, mais felicidade. “O problema é que a motivação do homem urbano não corresponde à motivação do homem da floresta”, diz ele.
O homem urbano vive correndo contra o relógio, trabalha em um sistema hierárquico e desassociado da vida pessoal. Já o homem da floresta é o oposto. “O que orienta suas atividades são as forças da natureza, e não as sociais”, afirma. Ele não quer fazer todos os dias a mesma atividade e trabalha a seu gosto. “Para o homem da floresta, ser feliz é fazer as coisas ao seu jeito, e nenhum projeto de desenvolvimento leva isso em consideração porque vai totalmente contra com as bases do capitalismo”.
O homem da floresta também desfruta a vida de uma maneira diferente, não guarda para o futuro. Quando há fartura, ele compartilha; em épocas de escassez, ele ajuda o outro. “Assim, quando chegam os benefícios dos projetos de desenvolvimento eles aceitam e desfrutam, mas não levam as atividades adiante quando cessam os benefícios”, ressalta ele, finalizando com uma pergunta: “O que queremos com os projetos de desenvolvimento? Fazer com que os povos da floresta renunciem seu modo de vida para aderirem ao sistema capitalista?”
(
SBPC, 23/03/2009)