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parque nacional dos aparados da serra passivos da pecuária pínus
2009-03-24
Programar uma viagem para visitar as maravilhas de São José dos Ausentes, no Rio Grande do Sul, é um período delicioso para quem está cansado de presenciar as destruições de nossos ecossistemas naturais e das demais falcatruas que se ouve, lê e vê no dia a dia. Fugir de tudo para estar em um ambiente natural é o sonho que sempre acompanha os ambientalistas, ou os profissionais da área ambiental. Antes da viagem propriamente dita há uma troca de emails para provocar amigos e saber mais o que ver na famosa região. A rota escolhida tem de ser a mais selvagem possível. É bom consultar amigos e cientistas de conservação da natureza para aproveitar o que a natureza oferece de mais interessante. Também é bom se informar sobre em qual pousada ficar, com certo conforto, pois ninguém é de ferro.

O começo da aventura é bem civilizado. Saímos de Florianópolis até Urubici onde está o Parque Nacional de São Joaquim, com seus 49.000 hectares. São uns 180 quilômetros de asfalto. O trecho da subida é bonito, muito bonito. Excepcional mesmo é daí em diante, de Urubici até Bom Jardim da Serra. São 80 quilômetros de asfalto e depois uns 60 quilômetros de terra até a pousada indicada por amigos, perto do Monte Negro, ponto culminante do estado gaúcho, com seus 1.403 metros de altitude e a 40 quilômetros da cidade de São José dos Ausentes, por estrada de terra. Cruza-se o rio Pelotas na divisa dos dois estados sulinos. Tudo lá fica longe e tudo é por terra. Nos caminhos em busca dos atrativos já famosos a gente pode ver bandos de curicacas, gralhas azuis, gaviões, patos, pica paus, cachorro do mato e os mais afortunados até podem se deparar com um puma ou um tamanduá.

As paisagens são tão belas e raras que é difícil qualificá-las. Há evidentemente muitas culturas de maçã e há gado. Mas parece que, por vício, já estamos acostumados com este tipo de alteração antrópica, pois a paisagem se mescla com grandes capões de araucária e mata atlântica e a gente se delicia. Os mais bem informados podem dizer que só resta pouco mais de 100.000 hectares de araucárias no Brasil. O fato é inconteste, porém a impressão é de que tudo do que resta está lá.

Outro fato é que ficamos tão embevecidos com as paisagens que, embora já alteradas, sejam tão raras e especiais, que esquecemos, em um primeiro momento, ou no primeiro trecho da estrada de terra, de prestar atenção nos plantios de pinus. Mas tão logo chegamos perto do espetacular cânion do Monte Negro já nos deparamos com os enormes plantios de pinus e com o fato de que a araucária vai sumindo de nossas vistas. Quanto pinus! A maioria dos plantios parece muito feia porque são plantios recentes. Mesmo quando mais velhos, não podem sequer, nem de longe, ser comparados aos capões restantes das araucárias e aos resquícios de Mata Atlântica.

No entanto, colocando as emoções de lado, nos fazemos a pergunta que não quer calar: melhor os pinus que a pecuária, ou não? A conclusão é muito dura de admitir para nós mesmos. Que pena. Seria tão mais bonito e importante manterem-se as araucárias e a mata atlântica, como eram naturalmente. Mas a pecuária já se encarregou de destruir quase tudo e a erosão dos solos em muitos trechos é bem evidente. Até mesmo as culturas permanentes como a maçã, provocam desmatamentos inclusive alguns muito recentes. O que pode sobrar de natural são as áreas protegidas como, além do já mencionado Parque Nacional de São Joaquim, os Parques Nacionais de Aparados da Serra, mais conhecido como Itaimbézinho, com 10.250 hectares e o da Serra Geral com 17.300 hectares, no estado do Rio Grande do Sul, que abriga o cânion de Fortaleza.

 A Lei faculta, a cada proprietário particular, usar 80% de suas terras, no sul do país, excetuando-se as áreas de preservação permanente, pelo só efeito da Lei. Nem estes 20% de cobertura florestal exigidos por Lei – a conhecida reserva legal -, nem as APPs são respeitadas, na grande maioria dos casos.

Há alguns sítios mais protegidos na região e onde não se vê tanto pinus, onde se vê mais araucária, como, por exemplo, no caminho do Cachoeirão dos Rodrigues, ponto turístico do pedaço. São lindas! Penso que depois das cataratas do Iguaçu, foram as mais belas cachoeiras que vi no nosso país. Nem tanto pelo volume de água, que, de todas as formas é expressivo, ou pela altura da queda, mas, principalmente pelo estranho e belo formato. Seguramente logo, logo, uma hidroelétrica vai matar esse belo trecho do rio Silveira e engolir a Cachoeira dos Rodrigues.

Bem perto está a fazenda Potrinhas onde se entra para ver os rios Silveira e Divisa correrem paralelamente. Há que se atravessar o Silveira a pé para ver o espetáculo que penso eu é único no país: ver rios correrem paralelamente. Lá os proprietários de pousadas temem a feiúra dos plantios de pinus e adoram as araucárias e as vacas, embora começam a preferir as primeiras... Um pouco tarde demais, mas melhor é tarde do que nunca. Que alívio, enfim alguém pensa como nós. No entanto vão pequenas pousadas com um turismo ecológico e rural incipiente, conseguirem frear os plantios de pinus, as pastagens cultivadas, as hidroelétricas, o asfalto, ou seja, a destruição final do pouco que sobra?

Desculpem-me os jovens, mas na minha terceira idade e após 43 anos de trabalho na área ambiental tornei-me cética. Vou levar filhos, noras e amigos para conhecerem esse recanto do Rio Grande do Sul, divisa com Santa Catarina. Quem sabe os jovens possam vislumbrar algo que, por mais que eu queira, não consigo? Como parar com o plantio de pinus, amparado na legislação em vigor e seguramente mais rentável que a pecuária e recuperar essas áreas com a ameaçadíssima araucária para que se possa ter só isso: beleza?

Qual é mais prejudicial sob o ponto de vista ecológico: a pecuária ou o reflorestamento com espécies exóticas? É necessário reconhecer que, após o uso dos campos de altitude pela agricultura e pecuária, o reflorestamento é uma alternativa econômica razoável. E ela já lá está crescendo a olhos vistos, transformando as paisagens em pobres e imensas monoculturas.

Há que se conformar com o fato de que o Poder Público não possa desapropriar tudo e transformar toda a região em áreas protegidas. No entanto temos de acreditar que pode fazer muito mais do que hoje faz, junto com o setor privado para salvar o que resta de pouco alterado na região:
1) pode incentivar o estabelecimento de RPPNs;
2) pode criar alguns monumentos naturais;
3) pode proibir a avalanche de PCHs;
4) pode, ainda, incentivar e capacitar o pessoal local para o turismo rural e ecológico;
5) pode, acima de tudo, exigir o cumprimento da legislação florestal em vigor no país, que estabelece as reservas legais no nível de propriedade e protege as áreas de preservação permanente, que são essenciais para os serviços ambientais.

Tomara que algo seja feito antes que os pinus bordejem todos os cânions desse espetacular pedaço da nação, ou que a própria pecuária destrua o que lá resta de natureza primitiva.

(Por Maria Tereza Jorge Pádua, O Eco, 20/03/2009)

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